A análise observa como a Operação Lava Jato atua de forma parcial, ou no mínimo tem se deixado utilizar para fins partidários. Como desdobramento, aparecem, entre outros, dois públicos aparentemente polarizados: os fortalecidos apoiadores e os enfraquecidos detratores incondicionais. A polarização é falsa, na medida em que ambos vão cegamente atrás de “heróis”, encarnam o “mal” nos adversários, procuram exigir engajamento dos outros na própria perspectiva.
A Lava Jato pode ter sumido logo após o impeachment de Dilma Roussef, mas nas últimas semanas prendeu Cunha, condenou Gim Argello, prendeu Antonio Palocci e Guido Mantega, ameaça prender Lula. O que tudo isto revela?
A condenação de Argello e a prisão de Cunha não invalidam a crítica à parcialidade da operação: é possível, por exemplo, imaginar um tucano sendo preso no hospital acompanhando a esposa em tratamento de câncer? Ao menos a soltura imediata de Mantega revela algum pudor em não se transformar a “boçalidade do mal” em modus operandi do judiciário.
Sim, preocupa que Sérgio Moro, quando criticado, prefira retrucar chamando o crítico de “panfletário” do que contra-argumentar. Estaria o juiz acreditando-se infalível? Será que não vai nos pedir desculpas daqui a um tempo, de novo? Moro não é deus, ainda que seja ídolo dos que se dizem “contra todos os corruptos” e, na prática, são em grande número apoiadores da (outra) parte interessada em desqualificar as investigações.
Apoio, sim, que ora se manifesta em discursos explícitos, ora na ausência das camisas amarelas nas ruas, no silêncio das panelas, na falta de crítica ao governo que chegou onde chegou – antes do controverso impeachment – por causa do muito suspeito processo eleitoral de 2014, (mais) um governo que trata com (mais) descaso direitos fundamentais, como a saúde e a educação (descaso visto, por exemplo, na PEC241 e na reforma do ensino médio, analisada neste Grislab). Por que o apoio e/ou a omissão? O raciocínio está muito bem representado no caricato slide do Ministério Público: Lula é o centro de tudo, tudo “é culpa do Lula”.
A moeda dos moralistas que condenam previamente tem outro lado: aqueles que inocentam o “mito” não importa quantos indícios apareçam contra ele, em três processos judiciais. O texto de Luis Felipe Miguel é ilustrativo. Parodiando os termos dele, a esquerda lulista age não como quem analisa conquistas políticas e caminhos acertados, mas como quem insiste em viver uma ilusão amorosa. Aí vale tudo, até colocar entre aspas uma frase (“não temos provas, mas temos convicção”) que nunca foi dita literalmente por ninguém. Lula também não é deus, precisa responder às acusações. Quem quer defendê-lo está no seu direito, quem quer impor a defesa dele como “compromisso de qualquer pessoa que se queira de esquerda, progressista ou democrata no Brasil” está autoritariamente perdendo tempo…
A atuação da Lava Jato revela um grupo, mais forte hoje, endeusando Moro, demonizando Lula, (quase) não tendo críticas à Lava Jato, alegando ser “contra todos os corruptos” mas satisfeito com a parcialidade com que a operação ataca o PT (e os “alvos inevitáveis”, como Cunha). Outro grupo, enfraquecido, endeusa Lula, demoniza Moro, vê na Lava Jato (apenas) uma “ameaça à democracia”, e ainda que alegue ser “contra a corrupção”, está insatisfeito com o judiciário responsabilizar membros do PT. Não há apenas os dois grupos, claro, mas todos nós estamos tendendo a seguir (um d)este(s) lado(s) em vários momentos. Resta o conselho da jornalista Eliane Brum: não siga. Pense.
Gáudio Bassoli
Mestrando do PPGCOM-UFMG
Jornalista e membro do Gris