O Brasil já registrou mais de 10mil mortes por covid-19. Este número coloca o país como o sexto com mais mortes em decorrência da doença. Oficialmente, o registro da primeira morte no Brasil aconteceu há 53 dias. Mas o que todos os especialistas apontam é que temos um cenário de subnotificação. É certo que o número real de casos e mortes por covid-19 é muito maior do que este registrado. E ao contrário do que muitas pessoas pensam, a baixa testagem não se deve à falta de recursos ou de testes, mas antes de uma decisão política.
Os números se tornaram protagonistas nessa crise toda que enfrentamos. Diariamente acompanhamos as notícias e boletins sobre o aumento do número de casos de Covid-19, quantas mortes se somam, qual o ranking dos países em relação à pandemia, quantos leitos de UTI estão ocupados, quantos respiradores temos disponíveis, e há quantos dias estamos em isolamento social.
A ruptura causada pelo acontecimento coronavírus parece ser organizada por essas informações estatísticas que tentam passar certa sensação de controle da situação. Os gráficos mostrando o comportamento da curva serve como um norte e tenta nos dizer para onde estamos caminhando.
Em condições normais de temperatura e pressão, as estatísticas sempre parecem muito precisas e são consideradas, por muitos, incontestáveis. Porém, no cenário desenhado pelo novo coronavírus, esses números ganham outro sentido. A disputa política que expressa uma luta de classes e uma oposição de valores e maneiras de se compreender o mundo se apropriou também desses números e do que eles significam.
Vivemos hoje no Brasil uma situação grave de subnotificação de casos em relação a pandemia. Pesquisadores estimam que o número real de pessoas contaminadas pode ser mais de 10 vezes maior do que os dados oficiais. O Brasil é o país que realiza menos testes de Covid-19 no mundo inteiro. E de acordo com um estudo, 9 em cada 10 casos de Covid-19 no Brasil não são notificados.
Mas, para além disso ser um problema grave em relação ao combate da doença e às medidas tomadas, o mais triste é constatar que essa subnotificação não se deve apenas à falta de recursos ou à falta de estrutura para realizar testes e exames. Essa baixa testagem e consequentemente o baixo registro de casos representa o projeto político que governa o Brasil atualmente. A quem interessa que os números sejam menores? Quais medidas essa subnotificação vai provocar nas decisões da população e dos governantes? E quais vidas essa subnotificação vai tirar?
Ter um cenário com um número menor de casos de Covid-19 favorece o fim do isolamento social, a reabertura do comércio, a volta ao trabalho e, falsamente, parece favorecer a economia do país, pauta que está acima de tudo e de todos nesse governo.
Importante destacar também que essa subnotificação e o projeto político que a sustenta se ancoram em um discurso negacionista. Quando temos um presidente que minimiza um problema grave como esse, que não toma as providências necessárias (e de responsabilidade do Estado) para enfrentar de maneira séria o avanço da doença, e que diz “E daí?” quando questionado sobre o número de mortes, é porque a situação está realmente absurda.
Inacreditável?! Pois é, gostaríamos que fosse mentira. Mas sim, temos em 2020, uma corrente de pessoas com ideias que defendem que a terra é plana, que o coronavírus não existe, que tudo isso é apenas pânico com uma gripezinha — uma corrente que governa o nosso país.
Maíra Lobato, mestra em Comunicação Social pela UFMG