A reeleição de Dilma e o poder de afetação do acontecimento
No dia 26 de outubro de 2014, o Brasil viveu o 2º turno das eleições presidenciais. Uma disputa acirrada pela presidência do país, que mobilizou as pessoas entorno do resultado. Dilma Roussef foi reeleita por uma diferença de três pontos percentuais. A divulgação do resultado foi um momento de grande expectativa. O país parou! Esta análise aborda o poder de afetação deste acontecimento na experiência das pessoas comuns.
No dia 26 de outubro de 2014, o Brasil viveu o 2º turno das eleições presidenciais. Uma disputa acirrada e que não era tão disputada desde 1989, conforme noticiou a imprensa, inclusive internacional. De acordo com uma notícia publicada no UOL, foram 674 milhões de interações no Facebook, sendo mais de 49 milhões apenas no dia da votação do 2° turno.
Pelas redes sociais, foi possível ver materializado nos comentários e posts o envolvimento das pessoas. As pessoas panfletaram, compartilharam milhares de notícias contra e a favor dos dois candidatos (Dilma e Aécio Neves), trocaram seus avatares, criaram memes, vídeos, fizeram manifestos, cartas de apoio e repúdio. Uma enxurrada de conteúdo discutindo e debatendo as questões que envolviam os dois candidatos (tanto políticas quanto pessoais) circulou intensamente na rede.
Às 20h do dia 26, o TSE abriria a divulgação do resultado parcial e as pessoas poderiam acompanhar os números finais da apuração dos votos. A expectativa era grande. Foi uma eleição tensa, agressiva, com muitas brigas ideológicas e pessoais. Pesquisas mostraram a quantidade de votos dos candidatos muito próxima. Pesquisas foram questionadas, outros erraram as previsões no primeiro e no segundo turno. Enfim, o momento do resultado dessas eleições era sem dúvida um grande acontecimento. Marcado por uma expectativa e pelo inesperado. Sabia-se apenas que sairia um resultado. Mas qual seria ele?
A disputa de sentidos entorno deste acontecimento se intensificava a medida que, com o passar da hora, o resultado se aproximava. E informações, a princípio não confirmadas, começaram a circular pelos celulares de alguns eleitores, concedendo a vitória a um dos candidatos. Relato aqui uma experiência pessoal. Nos últimos 20 minutos que antecediam a liberação do resultado pelo TSE, em casa aguardando ansiosamente na companhia de uma amiga, recebemos uma mensagem (de uma pessoa conhecida e envolvida na campanha) com uma foto do candidato Aécio Neves supostamente comemorando a vitória, acompanhada pela seguinte informação: ele recebeu uma ligação do TSE, vencemos! Andreia Neves, irmã do candidato, comemora também. Aquilo parecia absurdo! Afinal, o resultado só seria divulgado às 20h e o TSE havia garantido o sigilo absoluto da apuração até que a votação no estado do Acre terminasse (em função da diferença de uso horário e do horário de verão, são 3h a mais que em Brasília). Mas achávamos que era uma fonte confiável. Nossa torcida era pela vitória de Dilma e não queríamos acreditar, mas o fato era impositivo por demais: uma foto! Como duvidar?
Neste momento o acontecimento se impôs a nós, rompeu o que até então era apenas a ansiedade da expectativa do resultado. E nos afetou com uma força impressionante. Causou sensações físicas. Atravessou a nossa experiência. Nos fez convocar tudo que se passara durante a campanha eleitoral e até um passado mais distante: quais fatos poderiam explicar aquilo, quais influências ou possíveis alianças? Como foram as outras disputas eleitorais? Como foi a primeira eleição brasileira pós-ditadura? Havia possibilidade de um novo golpe? Seria uma eleição diferente das anteriores? E ao mesmo tempo nos fez olhar para frente: Seria mesmo aquele o resultado? Como seria o país nos próximos 4 anos? Como seria a reação das pessoas? Seria uma fraude?
Aquela era sem dúvida, uma experiência acontecimental. Nós nos movimentávamos tentando compreender o acontecimento. Acionávamos o nosso repertório e recorríamos ao contexto para explicar o que se passava ali. Negociávamos sentidos e possíveis explicações na nossa cabeça na tentativa de normalizar as coisas.
O resultado saiu às 20h, acompanhamos a apuração e contrariando a informação que tínhamos: outro acontecimento se deu. A vitória de Dilma nos trouxe novamente uma ruptura, pois naquele curto espaço de tempo, havíamos nos conformado com o suposto resultado. Fomos às ruas e qual não foi a surpresa: várias pessoas, que agora comemoravam, tinham passado por experiências semelhantes à nossa.
Ao compartilhar essa experiência nas ruas com outros eleitores, e também ao experimentar a comemoração coletiva de uma vitória, ouvindo outros relatos, percebi que, tratando-se da divulgação do resultado de uma eleição, houve um envolvimento e uma afetação muito maior do que se observa normalmente em períodos eleitorais. Vera França (2012) faz uma crítica à teoria do efeito narcotizante atribuído ao excesso de informações midiáticas, de Lazarsfeld e Merton (1978) e problematiza a discrepância e a assimetria na afetação que diferentes acontecimentos provocam nos sujeitos. Sem aprofundar na reflexão, tomaremos um ponto que nos esclarece muito sobre o acontecimento narrado acima. “Os acontecimentos incidem e repercutem exatamente no domínio da experiência” (França, 2012, p.19). Tomando ainda o ponto de vista de vista de França, podemos afirmar que os acontecimentos nos afetam mais ou menos porque estão mais ou menos próximos da nossa realidade, da nossa vida cotidiana.
E foi assim que este acontecimento nos afetou: marcando e alterando profundamente o cotidiano das pessoas que tiveram sua experiência atravessada por ele. Emergindo das entranhas da nossa experiência, de dentro da nossa casa e da casa de tantas outras pessoas que foram por ele afetadas de maneira semelhante. Tomou-nos por inteiro, nos fez refletir, reagir, atuar e desejar uma política que realmente nos afete.
Maíra Lobato
Jornalista e integrante do Gris/UFMG