O #EleNão se espalhou com força entre as mulheres – no Brasil e exterior. E foi respondido por um #EleSim. Mas que SIM é este? Que fundamentos ele encontra na trajetória do candidato, em argumentos econômicos, educacionais, culturais, religiosos? Nenhum. Tristemente, é um SIM que, na verdade, apenas nega.
O movimento Mulheres contra Bolsonaro no Facebook cresceu rapidamente e ganhou ampla adesão. Depois de hackaqueado (sempre os ataques!), deu origem à hashtag #EleNão que viralizou nas redes, agregando anônimas e famosas, no Brasil e no exterior. No sábado, dia 29/09, mulheres foram às ruas em várias cidades brasileiras, num grito coletivo de defesa dos direitos da mulher e contra um candidato que as desrespeita.
Num contexto marcado pela polarização e pelo antagonismo, toda força gera uma força contrária. O #EleNão estimulou o #EleSim, e a manifestação foi tema da condenação de pastores em algumas Igrejas Evangélicas, bem como do uso tendencioso de imagens – entre outros, pela esposa de Sérgio Moro.
Os argumentos do #EleNão já foram amplamente expostos; mas quais os fundamentos do #EleSim?
– Seria a luta contra a corrupção? Sem entrar no mérito de sua probidade, observemos duas coisas: primeiro, a honestidade, que não deveria ser distintiva, mas ponto de partida para qualquer candidato, não é exclusiva dele. Segundo, é bom lembrar aos mais novos (e aos mais velhos esquecidos) que o argumento da luta contra a corrupção foi arma usada contra Getúlio e Juscelino, que elegeu Jânio Quadros e Fernando Collor. A mesma bandeira também foi carregada por Aécio Neves nas manifestações pró-impeachment de 2015. O que coloca – a bandeira e aqueles que a carregam – no mínimo sob suspeita. Não seria um atrativo desprovido de consistência, em que sobram falas e faltam ações?
– Seria a defesa da família? Pode ser – mas falta o qualificativo. Ele defende a família patriarcal. Ele “fez” os filhos machos; “fez” a filha num momento de fraquejada. É defensor de salários menores para as mulheres. Prefere um filho morto a um filho gay. Que pai é esse? Que família é essa, em que o macho assume tal poder de mando e demonstra tão pouco amor paternal?
– É pela liberação das armas e pela convocação da violência? A liberação das armas não aumenta a segurança – ao contrário, torna a sociedade vulnerável. Imagine o motorista estressado armado em uma briga de trânsito; a discussão com o vizinho e uma arma em casa; o exemplo e o acesso das crianças e jovens às armas… Sem dizer que, frente ao bandido (que terá maior facilidade de se armar), o cidadão ou cidadã, sem treinamento, tampouco tem chance de se defender. Aliás, Bolsonaro deveria estar agradecido por Adélio Bispo de Oliveira, que o esfaqueou em Juiz de Fora (MG), dispor apenas de uma faca – e não de um revólver, que tentou obter e não conseguiu por entraves legais, pois uma bala teria sido fatal…
– Certamente não é pelo viés religioso. Nenhuma religião prega a violência – nem o cristianismo, nem nenhuma outra. Nesse sentido, sua pregação ao ódio seria antes antirreligiosa.
– Não é pela sua trajetória. Certamente, o defensor do #EleSim não está olhando para o passado de seu candidato – que não tem nada a oferecer. Em 26 anos de congresso, não aprovou mais que dois projetos de lei. Qual a base de confiança em alguém que não dispõe de conhecimento (nem formação cultural nem domínio da realidade), não tem uma trajetória de sucesso, não faz parte de um grupo sólido e confiável de suporte e apenas repete frases de efeito, mostrando profunda ignorância de quase todos os temas? Onde apoiar a aposta?
– Não é por sua defesa do país, pois suas posições são profundamente antinacionalistas. Ele é a favor do entreguismo – de vender os pedaços de nosso país aos americanos. O petróleo, a tecnologia da Embraer, nossa plataforma de lançamento de foguetes, a Amazônia. Nesse sentido, ele piora a ditadura militar que já vivemos – pois os militares de antes eram pelo menos nacionalistas.
– Será que é pelo seu autoritarismo e combate às minorias? Somos tão subservientes que queremos alguém que não respeita liberdades, não respeita minorias políticas – negros, índios, LGBTs, quilombolas? Somos assim tão pouco generosos e truculentos? Já nos demos conta de que nossas diferenças podem ser combatidas nessa maré de intolerância?
– Será que é por que é contra os pobres? Em todas as suas votações no Congresso, Bolsonaro posicionou-se contra as conquistas sociais – contra o aumento do salário mínimo (mas pelo aumento do salário dos deputados), a favor do corte de direitos trabalhistas, contra o Fundo de Combate à Pobreza. Nesse caso, trabalhadores nunca seriam pelo #EleSim.
– Mas o que ele promete aos ricos e à classe média? Bolsonaro não entende de Economia, não entende de Educação, não entende de Cultura. O combate às políticas sociais poderia ser suficiente para agregar o interesse de alguns patrões. Mas atende o patrão esclarecido? Acena com o quê para a classe média – que já não está dando conta de pagar o colégio particular para os filhos, o plano de saúde, a viagem na praia, o emprego para os filhos formados?
O #EleSim não encontra fundamentos – a não ser, contraditoriamente, numa profunda negativa. NÃO a alguma coisa de diabólico – comunismo, destruição da família, da religião – que, repetindo os anos 1960, foi associada à esquerda e agora foi colada ao PT.
Mais de 50 anos já se passaram desde o Golpe Militar. Gerações se sucederam, experiências foram vividas. Não podemos reagir a imaginários construídos. É importante percebermos clara e concretamente O QUE NEGAMOS mas, sobretudo, O QUE AFIRMAMOS. Um SIM com valor de NÃO é muito pouco para um povo que se quer afirmar como povo.
Vera França
Coordenadora do GrisLab e Professora Titular do PPGCOM-UFMG