O escândalo revelado pela Folha de S. Paulo, além de mostrar que Bolsonaro não é tão honesto quanto diz, expôs um esquema perverso de desinformação responsável pela manutenção de seu “mito”.
Uma das definições contemporâneas de “mito” é “coisa ou pessoa que não existe, mas que se supõe real”. Nesse sentido, o título realmente é adequado para Bolsonaro. Como foi descrito aqui antes, sua figura é um signo vazio, passivo de receber quaisquer ideais que lhe sejam atribuídos. Para os temerosos da violência, é quem vai devolver a ordem e segurança. Para os defensores do livre mercado, um liberal que promete reformas econômicas. Para os religiosos conservadores, um cristão defensor da moral e dos bons costumes. Cada um vê nele o ideal que mais lhe agrada. Mas não há, nos mitos, nenhuma promessa de realidade; eles sobrevivem como como fantasias, sendo limitados a existir na imaginação popular. Não foram feitos para serem postos a prova em cargos executivos de suma importância. Para quem quis ver, dois mitos do “Bolsomito” já foram desfeitos: sua honestidade e o espontaneísmo de sua campanha. Faltando dez dias para o segundo turno, a Folha de S. Paulo expôs um esquema multimilionário em que empresários bancavam a compra de pacotes de disparo de mensagens em massa por Whatsapp. Cada mensagem custou de 8 a 40 centavos, culminando em contratos de até R$12 milhões. A prática pode ser considerada como doação de empresas por meio de serviços, o que é proibido pela legislação eleitoral, e não declarada, configura caixa 2 de campanha – o que é fraude, e propiciou investigações e prisões no governo anteriores. A denúncia também rompe com a fábula que Bolsonaro cresceu somente a partir do trabalho de seus voluntários. Sua campanha foi organizada e financiada por grupos de empresários, provavelmente preparada anos antes do período eleitoral. A gravidade da denúncia não se limita à eleição presidencial: não se sabe quantos outros candidatos a governador, senador ou deputado foram beneficiados por esses pacotes. O próprio vencedor em Minas, Romeu Zema, também utilizou desses serviços, o que talvez explicaria o seu súbito e inesperado crescimento dias antes do primeiro turno. Mas a grande vítima desses crimes é a própria democracia. O uso de propaganda direcionada, em que eleitores recebem mensagens pré-selecionadas individualmente, garante que cada um saiba apenas informações que lhe agradam do candidato. Bolsonaro se torna assim um líder multifacetado, porém envolto em uma névoa opaca. Cada seguidor só é capaz de saber o que ele representa para si e desconhece as ideias do companheiro. Assim, o cristão se junta ao sicário, o liberal ao totalitário, formando uma massa de muitas impressões divergentes, mas que vota unida. Essa mitificação, por si só, também inviabiliza o debate, uma vez que ninguém possui os mesmos referentes. A fuga de Bolsonaro de debates na televisão pode ter sido menos motivada por seu evidente despreparo, e mais devido a uma estratégia perversa de desinformação. Ele não apareceu na televisão porque não quer oferecer uma imagem sua transmitida da mesma maneira pelo país, permitindo que as pessoas conversem sobre uma performance que é igual para todos. Ao invés disso, ele prefere aparecer apenas nas pequenas telas individuais, filtrando cuidadosamente qual conteúdo chega nas mãos de cada eleitor potencial. Essa propaganda direcionada não apenas reforçou as facetas adequadas do candidato conforme cada público alvo: ela também, e sobretudo, espalhou as famosas “fake news” sobre o candidato do PT, a quem foram imputadas ações e intenções perversas, configurando ameaças à infância, à família, ao país. O mito deu a Bolsonaro o Planalto, mas governará com ele? Um dos responsáveis pelo escândalo, o empresário Marcos Aurélio Carvalho, já faz parte de seu time de transição, indicando que o delírio será não só um método de campanha, mas também de governo. Agora resta saber o que cairá primeiro: um regime mítico ou a noção de realidade da nação? Caio Santos Comunicólogo e Bolsista de Apoio Técnico do GrisLab |