A análise discute como a eleição do bispo licenciado da Igreja Universal, Marcelo Crivella, se inscreve em um contexto mais amplo de “onda conservadora” e ascensão dos neopentecostais na política. Crivella, que alega não se encontrar com o tio Edir Macedo nos últimos dois anos, venceu apesar de ataques midiáticos e sabendo se afastar da pecha de radical, colocando-se como candidato “paz e amor”.
O slogan que intitula a análise mostra como, na eleição municipal do Rio de Janeiro, venceu a revolta contra os gastos públicos astronômicos na Copa do Mundo e na Olimpíada, a revolta contra o partido e os políticos “de sempre” (PMDB), a revolta contra a pobreza e a miséria* manifesta no descuido com as pessoas…
Diferente de outras eleições objetos de análises deste Grislab, os candidatos do segundo turno no Rio de Janeiro, Marcelo Crivella e Marcelo Freixo, não eram (e não posaram de) “não-políticos”, “outsiders”. Pelo contrário, a experiência de ambos foi utilizada como argumento propagandístico. Mas, entre os Marcelos, como e por que a maioria dos cariocas optou não por Freixo, e sim por Crivella? Como o candidato do PRB venceu, entre vários adversários, o bombardeio midiático da Globo e da Veja (grupos que, entre outros fatores, parecem ter visto no candidato do PSOL um inimigo mais fácil de lidar na prefeitura do que alguém ligado ao adversário comercial, Record)?
Vários são os fatores, inclusive as falhas do (grupo do) concorrente psolista. Crivella surfa numa chamada “onda conservadora”, que vem enfraquecendo o campo da esquerda no pós-governo Dilma. Foi irônico o ex-ministro da presidenta ter votado pelo afastamento daquela que o nomeou, assim como ver Freixo justificando seu posicionamento contrário ao impeachment e sempre lembrando que o PSOL não teve cargos no governo federal do PT (o que acabou por desgastá-lo…)
Crivella, habilmente, também conseguiu construir uma imagem de evangélico político, e não político evangélico (nos termos do antigo adversário ferrenho, atual apoiador entusiasta, pastor Silas Malafaia). Se as igrejas evangélicas, em especial neopentecostais, conseguem se articular para eleger candidatos radicais no poder legislativo (sendo a Frente Parlamentar Evangélica a segunda maior no país), no executivo, costuma ganhar quem apresenta um perfil mais moderado. Por isso outro evangélico, Anthony Garotinho, agora preso**, avisou: “não subestimem Crivella; quem fez isso com Edir Macedo se deu mal”.
De qualquer forma, fica a pergunta: com a vitória de um pastor evangélico na “capital cultural” do país, não estaremos entrando numa era de política fundamentalista? O desafio numa nação em que nunca se resolveu muito bem a separação de religião e Estado, tendo desde sempre um processo de secularização contraditório e uma laicidade problemática, passa pela garantia dos direitos daqueles “de fora”: praticantes de religiões afro-brasileiras, ativistas LGBTs, ateus… Afinal, como disse o espirituoso trocadilho da manchete do Extra, o Rio é universal. O Brasil também é.
* Nas chamadas televisuais para certos cultos da Igreja Universal, se incentiva a revolta contra a pobreza e se promete aos fiéis o sucesso financeiro, derrotando não uma (des)ordem social desigual, mas “os espíritos da pobreza e miséria”. A solução sobrenatural é individual, não coletiva.
** Garotinho foi preso preventivamente, suspeito de crime eleitoral.
Gáudio Bassoli
Mestrando do PPGCOM-UFMG
Jornalista e membro do Gris
Esta análise faz parte do cronograma oficial de análises para o mês de novembro, definido em reunião do GrisLab.