Na novela apimentada do impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, a Revista ISTOÉ teve destaque ao estrear o mês de abril com uma reportagem de capa sobre o suposto temperamento “irascível” de Dilma. Foi deixada de lado a crítica política e se apelou para o questionamento da sanidade mental da Presidenta. Com isso, para além das disputas políticas, a revista reproduz um velho discurso machista, em que a raiva é sinônimo de bravura para o homem e de descontrole para a mulher.
Parecia uma brincadeira (de mau gosto) de 1o de abril, mas era a capa da Revista ISTOÉ. Como se o país vivesse uma partida de futebol entre arquirrivais, o que emerge nesse momento de crise política, de um lado e de outro – se é que podemos simplificar a situação em um dualismo –, é uma série de agressões personalizadas. No processo do impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, a ISTOÉ teve destaque ao estrear o mês de abril com uma reportagem de capa sobre o suposto temperamento “irascível” de Dilma nos bastidores do Planalto.
A revista apresenta uma das faces sempre crucificadas de uma governante considerada “linha dura”, a partir da edição de imagens e possíveis falas da Presidenta em diferentes contextos; por exemplo, já circularam na Internet comparações entre a imagem usada na edição da capa e outra imagem de Dilma comemorando um gol da Seleção Brasileira. Com isso, foi deixada de lado a crítica política e entrou em jogo uma análise psicológica do comportamento de Dilma. O diagnóstico da ISTOÉ: “uma presidente completamente fora do eixo e incapaz de gerir o País”. Ou seja, o caso da Presidenta não é da ordem do TCU ou da Polícia Federal, e sim da Medicina, como reforça o detalhamento na matéria dos medicamentos controlados que Dilma toma.
Com os termos “destempero”, “desordem”, “descompustura”, “desvarios”, “desespero” e “despautério” – só para destacar alguns –, descreve-se um perfil psicológico da Presidenta, também vociferado por políticos e cidadãos pró-impeachment, ou melhor, contra Dilma.
Do ponto de vista político, é lamentável que o debate público esteja sendo alimentado por argumentos tão medíocres. Mais lamentável ainda é perceber que não há limite para um discurso das elites, mascaradas de imprensa que luta pela liberdade de expressão, que são capaz de tudo para (des)construir a imagem de quem bem entender. Vide outra capa, desta vez da Revista Veja, sobre “O desespero da jararaca”, leia-se ex-presidente Lula.
Em tempos de pautas em abundância para serem desenvolvidas, a ISTOÉ apelou para a crítica centralizada em aspectos pessoais da Presidenta, não sobre as ações ou omissões do seu governo. A mesma ênfase psicológica não é feita quando se trata de homens políticos. Com isso, a matéria de capa da revista dá a ver um ponto de vista grosseiro acerca da posição social da mulher. Faltam informações para outras formas de abordagem desse acontecimento complexo que é o processo de impeachment e crise política? Falta equipe para apuração e reflexão? Nem o enxugamento de redações justificaria uma edição tão vazia de informação e transbordante de des(res)peito.
A revista reforça um velho discurso machista, em que a raiva é sinônimo de bravura para o homem e de descontrole para a mulher. O pior é que não se trata de um ataque só à Presidenta, mas uma violência simbólica que está encarnada em muitas posições e opiniões que, acima das questões político-econômicas, estão presentes no cotidiano de muitas outras Dilmas por aí.
Suzana Cunha Lopes
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UFMG
Pesquisadora do Gris
Esta análise faz parte do cronograma oficial de análises para o mês de abril, definido em reunião do GrisLab.