Análise | Celebridades e Figuras Públicas Diário da Quarentena Poder e Política

De Boris Johnson a Sikêra Junior: mudanças de posicionamento após a experiência da Covid-19

Minimização da doença e críticas às medidas restritivas fizeram parte do repertório do primeiro-ministro britânico e também do apresentador brasileiro. Infectados pelo coronavírus, eles se retrataram. No entanto, as consequências de seu discurso permanecem.

Sikêra Jr. e Boris Johnson, quando em confinamento e recuperação do Covid-19

Enquanto países europeus já promoviam o isolamento social, no Reino Unido, Boris Johnson negligenciava o coronavírus em favor da economia. Buscando promover a chamada imunidade de grupo (ou de rebanho), o primeiro-ministro incentivou os cidadãos a continuarem com suas atividades, assumindo o risco de que parte da população se contaminasse. Para demonstrar seu destemor à doença, ele chegou a afirmar que continuava apertando mãos, inclusive, de possíveis infectados pela Covid.

À medida que o número de casos e de mortes foram se intensificando, Boris Johnson foi moderando seu discurso. Adotou um lockdown tardio, em 23 de março, quando estudos já previam 250 mil mortes se medidas de distanciamento social mais drásticas não fossem implementadas. Quatro dias depois, anunciou que havia testado positivo, mas continuou trabalhando até ser hospitalizado.  A gravidade do caso foi revelada posteriormente por Johnson que se mostrou muito agradecido aos profissionais que salvaram sua vida.

Se a experiência da Covid foi capaz de modificar o posicionamento do líder britânico, aqui no Brasil, Bolsonaro parece estar bem longe de reconhecer a real gravidade da pandemia. No entanto, entre seus apoiadores já é possível identificar algumas retratações. Uma das mais noticiadas foi a do apresentador do telejornal policial Alerta Nacional, Sikêra Junior, infectado no final de abril.

O apresentador fez várias declarações em seu programa questionando a gravidade da doença e também a quarentena.  Alegando que o isolamento social era “modismo”, ele incentivava seu público a quebrar a quarentena para buscar trabalho. Após ficar doente, reconheceu ter subestimado a doença e recomendou que aqueles que pudessem adotassem o isolamento social. No entanto, seu alinhamento ao presidente permanece. Recentemente, em uma live no Instagram, demonstrou seu apoio à liberação da cloroquina, vista por ele como uma solução para a pandemia.

Apesar da mudança de posicionamento dessas figuras públicas, as consequências de seu discurso inicial continuam afetando inúmeras pessoas. No caso de Boris Johnson, a minimização da doença não só afetou sua saúde e de sua família (a noiva grávida também foi infectada) como contribuiu para o colapso do sistema de saúde britânico e para o alto índice de contaminação da população.

No caso de Sikêra Junior, que também teve membros da família e amigos infectados, é importante considerar o poder de afetação de seu discurso nas classes populares. Chama a atenção o fato de Manaus, cidade em que vive e na qual tem grande popularidade, ser uma das principais afetadas pela doença, dada, entre outros fatores, a dificuldade de adesão da população ao isolamento. Agora, ao defender a cloroquina, mais uma vez, ele demonstra sua total irresponsabilidade com a vida dos mais vulneráveis que, instigados por ele, passam a acreditar na eficácia de um medicamento sem qualquer comprovação científica.

Cabe ressaltar ainda que, mesmo enfrentando os sintomas da doença, Boris Johnson e Sikêra Junior estão longe de terem vivenciado a real crueldade da pandemia. Tendo à disposição os melhores médicos e tratamentos, eles se distinguem da grande parcela da população que, refém de um sistema de saúde caótico, tem que esperar horas pelo atendimento, correndo o risco de morrer antes de receber diagnóstico ou tratamento médico.

Fabíola Souza, professora da UFOP e pesquisadora do Gris



Comente

Nome
E-Mail
Comentário