O terceiro ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli, saiu antes de entrar. Denúncias de fraudes no currículo derrubaram o quase-ministro, que teve o nome achincalhado. Não foi o primeiro fraudador dentre os ministros de Bolsonaro, mas certamente foi o mais visado, o que evidencia a severidade do juízo quando corpos negros são postos em xeque.
Após a demissão tumultuada de Abraham Weintraub do Ministério da Educação, a indicação de Carlos Alberto Decotelli, um homem negro, economista e oficial da Marinha, causou mais um abalo na já desgastada reputação do governo Bolsonaro. Nomeado no dia 25 de junho, Decotelli foi anunciado ministro nas redes sociais do presidente, que ressaltou a titulação acadêmica do escolhido. Depois de várias denúncias de fraudes no currículo e intensa exposição na mídia, o ex-quase-ministro entregou uma carta de demissão na data em que aconteceria a cerimônia de posse, 30 de junho.
Primeiro, o título de doutor que ele citava no currículo foi desmentido pela instituição mencionada, a Universidade do Rosário, na Argentina. Depois, a Universidade de Wuppertal, na Alemanha, negou que ele tenha obtido lá certificação de pós-doutorado, como afirmava. As contestações fizeram Decotelli alterar o currículo. Em seguida, a Fundação Getúlio Vargas negou que Decotelli tenha feito parte do quadro de professores da instituição. Em nota, a FGV confirma que ele concluiu o mestrado lá e que atuou e atua como professor-colaborador em cursos de educação continuada e programas de formação de executivos, mas não como professor efetivo ou pesquisador.
Para alguns analistas, a nota da FGV, uma instituição brasileira, fragilizou Decotelli e foi a gota d’água para que o ministro não assumisse o ministério. Ele mesmo disse que a declaração – qualificada por ele como covarde e com intenção de destruir sua imagem – fez com que o presidente recuasse da decisão de empossá-lo ministro. Além dos três questionamentos, também incorre sobre o ex-quase-ministro a acusação de plágio na dissertação de mestrado, que deve ser apurada pela FGV.
Diante da exposição e dos desmentidos, Decotelli acabou não assumindo o cargo. Mas a polêmica, além de revelar as informações falsas sobre sua titulação acadêmica e trajetória profissional, também demonstrou como opera o racismo brasileiro. Diferentemente de outros ministros que mentiram sobre suas formações acadêmicas, como Damares Alves e Ricardo Salles, que não apenas foram poupados do escracho virulento ao qual Decotelli foi submetido, como também permaneceram e permanecem até hoje no exercício de suas funções públicas, Decotelli passou por um verdadeiro achincalhe social e midiático.
Temos que lamentar mais esse desastre na pasta da Educação, que nos evidencia vários aspectos: a falta de qualificação dos nomes de que dispõe Bolsonaro (e que se dispõem a integrar esse governo), o buraco em que está jogada uma das áreas mais importantes na vida de um país, que é a Educação, mas também a racialização da questão. Embora visto no início como um nome adequado (parecia alguém afinado com a vida acadêmica), quando surgiram as denúncias, era um homem negro que pisou na bola. Há poucas dúvidas de que Decotelli fraudou informações e se utilizou do benefício que essas mentiras lhe conferiam para alavancar a carreira; o quase-ministro se revelou mais uma pessoa típica da turma do atual presidente. Mas também está explícito que os pesos e as medidas do escracho são bem mais severos quando corpos negros são postos em xeque.
Cecília Bizerra Sousa, jornalista, doutoranda em Comunicação (UFMG) e pesquisadora do Gris
Vera França, professora titular de Comunicação Social da UFMG e coordenadora do GrisLab