Em 127 municípios do país, 234 indígenas foram eleitos para cargos executivos e legislativos. Os eleitos representam uma faixa importante da população brasileira, historicamente invisibilizada: os povos originários, num movimento importante para fazerem ecoar seus interesses específicos e sua própria voz.
A disputa eleitoral de 2020, atípica em relação a vários aspectos, sobretudo por acontecer em meio à pandemia do novo coronavírus, também foi histórica por outros motivos. Um deles foi por ter eleito, de acordo com levantamento realizado pelo Instituto Socioambiental (ISA), 234 indígenas: 10 para prefeitura, 11 para vice e 213 vereadores e vereadoras, sendo, desse total, 31 mulheres. Os números apresentados pelo ISA consideram os 215 indígenas autodeclarados junto ao TSE e outros 19, não autodeclarados, mas contabilizados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) por serem lideranças publicamente reconhecidas.
A apuração do ISA também aponta que as candidaturas indígenas eleitas pertencem a 73 povos e 127 municípios de todas as regiões do país e que a maior parte encontra-se no Amazonas, estado onde também está a maior população indígena do Brasil – 20% dos quase 900 mil indígenas, de acordo com o Censo 2010 do IBGE. Por outro lado, o estado do Mato Grosso do Sul, onde se encontra a segunda maior população indígena do país, elegeu o menor contingente. O resultado do Nordeste também chamou atenção pelo alto número, sobretudo em Pernambuco, na Paraíba e na Bahia.
A presença significativa de indígenas na disputa eleitoral de 2020 revela que, para além da luta por reconhecimento e da resistência local que esses povos mantêm pela preservação da cultura, da língua e do próprio território, os indígenas veem na arena política e nos espaços institucionais de poder ambientes importantes de atuação para a garantia de direitos. Em 2018 foi eleita a primeira mulher indígena da história da Câmara Federal, Joênia Wapichana (Rede-RR) – antes disso, apenas o indígena Mário Juruna havia sido eleito deputado, no ano de 1982. E o ano de 2020, além do resultado eleitoral de novembro, também marca a eleição da APIB, em dezembro, para um assento como titular no Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), principal colegiado do país na área.
Assim sendo, a busca dos povos indígenas do Brasil pela ocupação desses espaços revela também uma crescente na luta por protagonismo junto à institucionalidade em assuntos que lhes dizem respeito, jogando por terra definitivamente a lógica da tutela. Esse protagonismo pode ser lido também em relação à conjuntura como um todo, pois também é uma resposta à agenda conservadora e anti indígena em execução no governo brasileiro.
Vários aspectos das recentes eleições foram destacados por nossas análises. Por um lado, destacou-se a vitória do conservadorismo e dos partidos da direita no total dos votos emitidos e cargos ocupados. No entanto, e embora numa proporção numérica ainda de menor expressão, um outro fenômeno pode ser detectado: o avanço das candidaturas de grupos historicamente ausentes das esferas representativas e espaços de deliberação. Mulheres, população negra, indígena, LGBT vêm paulatinamente lutando para fazer ouvir sua voz e se auto-representarem. Esse acontecimento é pleno de significado; a força do conservadorismo, do preconceito, da exclusão há muito se faz sentir, e constitui o cerne do poder hegemônico. Então, nisso não há novidade. O elemento inovador nesse cenário é que a diversidade oprimida tem alcançado novos lugares e começa a sair da invisibilidade a que estava condenada. O caminho é longo, mas a caminhada já começou.
Cecília Bizerra Sousa, jornalista, doutoranda em Comunicação Social (UFMG) e pesquisadora do Gris
Vera França, professora titular de Comunicação Social da UFMG e coordenadora do GrisLab