Análise | Diário da Quarentena Poder e Política Violência e Crimes

“Invadam os hospitais e filmem tudo”, disse o Presidente

Os números de mortos pela Covid-19 preocupam vários profissionais no Brasil e no mundo. O número de leitos com respiradores chegaram à lotação em várias cidades do Brasil. O governo federal também está preocupado, mas de outra maneira: querendo minimizar a questão. Lançando dúvidas sobre o  número, chegou a incentivar pessoas a invadir hospitais para verificar se os leitos estão de fato cheios e a gravar a ação, pois “isso pode nos ajudar” (sic). E eles seguiram o Messias.

Foto: reprodução / Facebook

No dia em que o Brasil ultrapassou a marca de 40 mil mortes e 800 mil infectados por coronavírus (11 de junho), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sugeriu aos seus seguidores, por meio de uma live, que entrem em hospitais de campanha e hospitais públicos e filmem o interior para averiguar se os leitos estão de fatos ocupados como está sendo divulgado. Nesta mesma live, ele ainda reafirma que existe “ganho político” tanto no número de óbitos quanto no que ele chama de “suposta lotação dos leitos de UTI” (Unidade de Tratamento Intensiva).

A fala de Bolsonaro tenta reforçar uma teoria que prega uma suposta guerra política relacionada à pandemia do novo coronavírus. Dessa forma, existe uma tentativa de relativizar os números, bem como os efeitos desastrosos que a Covid-19 trouxe para o Brasil e para o mundo. De acordo com Bolsonaro, todas as unidades federativas, bem como todos os profissionais da saúde estão exagerando no número dos infectados e dos mortos, numa tentativa de culpar o governo federal pelos problemas que assolam o Brasil decorrentes da Covid-19. Toda essa teoria não faz o menor sentido, uma vez que a doença acometeu milhões pelo mundo (9.440.535 infectados e 483.207 mortes, dados coletados em 25/06/2020).

A fala de Bolsonaro demonstra vários erros de conduta, beirando a incredulidade e até mesmo o crime (segundo o Ministro Gilmar Mendes), uma vez que é completamente inadequado um chefe de Estado estimular invasão de hospitais. É uma atitude insana que só tumultua e compromete ainda mais a situação dos hospitais, colocando mais pessoas em risco de contaminação. Essa  declaração do presidente foi bastante criticada por vários políticos no Brasil

No entanto, existe outra questão igualmente grave: pessoas que ouviram e acataram a consigna de Bolsonaro. Seguidores do presidente chegaram a invadir um hospital do Rio de Janeiro; parlamentares aliados ao governo invadiram um hospital de campanha em São Paulo. Um grupo de cinco pessoas da mesma família entrou no Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, uma unidade de tratamento da Covid-19 no Rio. A invasão causou tumulto em alas restritas, atingindo médicos e pacientes na tarde do dia 12 de junho (um dia após o pedido de Bolsonaro). Segundo relatos de profissionais, uma das invasoras, muito alterada, teria chutado portas, “derrubando computadores e até tentado invadir leitos de pacientes internados”. 

Até mesmo antes do pedido de invasão de Bolsonaro, no dia 4 de junho, Coronel Telhada (PP), Leticia Aguiar (PSL) e Sargento Neri (Avante), deputados estaduais de São Paulo, também invadiram o hospital de campanha montado no centro de convenções do Anhembi, na zona norte do estado. Registrando toda a ação por câmeras, os parlamentares acusaram a prefeitura de má gestão do dinheiro público, uma vez que o hospital, que suportava 1800 pacientes, funcionava com apenas 400. Ignorando o fato de que as pessoas estavam sendo encaminhadas de outros hospitais para esse hospital, ao passo que fossem diagnosticadas com a Covid-19, já que o hospital de campanha é exclusivo para o tratamento da doença.

Tanto a fala de Bolsonaro quanto as atitudes motivadas por ela preocupam a sociedade brasileira. O dono da principal cadeira do poder executivo federal não deveria se prestar ao ridículo de alimentar teorias da conspiração. A Covid-19 não é uma gripezinha, tampouco uma estratégia política para enfraquecer o presidente. Já ultrapassamos os 50 mil mortos e 1 milhão de casos.

É desesperador para todos e todas vivenciar tudo isso, e os profissionais da saúde são os mais atingidos. Essas pessoas estão na linha de frente da pandemia; são eles que enfrentam o novo coronavírus de forma mais próxima e ainda têm que se defender da invasão de seu local de trabalho a partir de uma teoria sem qualquer fundamento. Como se não bastasse não ter um ministro da saúde e apresentar o  protocolo de um medicamento que não tem eficácia confirmada, Bolsonaro desrespeita os profissionais da saúde, as vítimas de Covid-19, seus familiares e demais cidadãos brasileiros, na tentativa de encobrir o número de mortes e de se desresponsabilizar perante a crise sanitária que nunca sequer tentou administrar.

Paulo Basílio, Mestre em Comunicação (PUC Minas), professor do UNI-BH e PUC Minas e integrante do Gris



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