Análise | Poder e Política

Lula e o andamento do 3º Golpe

Presente nas manifestações dos dias 23 e 24 de janeiro em Porto Alegre, a professora Vera França analisa a condenação de Lula em segunda instância. A sentença revela um país dividido; uma aliança autoritária entre poderes econômicos, políticos jurídicos e midiáticos; e a continuação do processo que começou com o impeachment de Dilma Roussef e prosseguiu com a revisão das políticas sociais dos governos petistas.

Charge: Vitor Teixeira.

No dia 23 de janeiro deste ano cerca de 100 mil pessoas se fizeram presentes em Porto Alegre, na Esquina Democrática, manifestando seu apoio ao direito de Lula ser candidato. Essas pessoas – brasileiros e brasileiras de todos os estados do país – representavam a grande parcela de eleitores que exprimem sua preferência eleitoral pelo ex-presidente, mas também aqueles que apostam na prática democrática como o caminho mais legítimo para os embates políticos. Além de Lula, discursaram várias lideranças do PT e de movimentos sociais, incluindo possíveis candidatos de outros partidos do campo progressista.

No dia seguinte, 24 de janeiro, naquela cidade, na sede do Tribunal Regional Federal da 4a Região (TRF-4), se deu o julgamento do recurso apresentado pela defesa de Lula contra a condenação determinada em 1ª instância pelo Juiz Sérgio Moro, em Curitiba. Numa sessão que durou 8 horas e 15 minutos, neste julgamento de 2ª instância, os três desembargadores votaram pela manutenção da condenação, ampliando a pena para 12 anos e 1 mês de prisão, com início em regime fechado. O voto dos desembargadores, unânime e concertado, e insensível à manifestação da véspera, refletiu uma outra parcela da população, que apoiou o impeachment e se opõe a uma possível volta de Lula, bem como se inscreve dentro do mesmo movimento que vem atuando para excluir sua pessoa e eliminar aquilo que ele representa. O crime julgado e causa da condenação é o já famoso tríplex de Guarujá, que nesta história cumpre o mesmo papel das “pedaladas” de Dilma – um pretexto juridicamente frágil que serve para cumprir as formalidades.

No entanto o jogo ainda está sendo jogado.  No dia 20 de fevereiro a defesa do ex-presidente entrou com embargos de declaração contra a condenação imposta ao petista pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), alegando omissões em relação a elementos que constam no processo e contradições e obscuridade nos termos  do acórdão do julgamento. Esse recurso será julgado pelos mesmos três desembargadores da 8ª Turma do TRF-4; não há nenhuma expectativa de revisão ou reversão da condenação.  Na sequência a defesa do ex-presidente deverá apelar para os tribunais superiores (terceira instância) – Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF), este o órgão máximo do Judiciário.

Neste momento estão tramitando nesses órgãos decisões que também afetam diretamente a situação de Lula. A primeira delas é a possibilidade de prisão depois que o réu tem uma sentença condenatória confirmada em tribunal de segunda instância (o que significaria a prisão em curto prazo), ou apenas depois da condenação pelo STJ. A outra diz respeito à Lei da Ficha Limpa (votada em 2010), que impede o registro de candidatura de um político “ficha suja”, ou seja, que tenha sofrido condenação; o ministro Luiz Fux, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), acha necessário voltar a discutir essa lei, no sentido de rever brechas.

Não obstante, no dia 21 de fevereiro, em Belo Horizonte, Luiz Inácio Lula da Silva lançou sua candidatura à presidência da República: “Não sei o que vai acontecer na Justiça, quero dizer que não respeito a decisão que foi tomada contra mim, porque sei que ela é mentirosa, ela é política e ela não está baseada nos autos do processo. Por isto quero dizer –  estou candidato”. Vale lembrar que esse evento de lançamento não ganhou repercussão em nenhum órgão da grande imprensa.

No dia seguinte, 22, em São Paulo, na comemoração dos 38 anos do PT, ele completa: “Se tem um partido que pode recuperar a auto-estima do país, é o PT”.

O cenário político, portanto, ainda se encontra embaralhado – tanto no que diz respeito ao futuro de Lula (preso? Candidato?) quanto à composição das forças que disputarão o pleito de 2018.

O que temos, portanto, é um acontecimento em andamento. Como disse a ex-presidenta Dilma, no Fórum das Mulheres pela Democracia e pelo Direito de Lula ser candidato, em Porto Alegre, (23/01), a condenação de Lula é o terceiro golpe que as forças conservadoras estão impetrando. O primeiro foi o impeachment; o segundo foi a reversão da política social que vinha sendo implementada pelos governos do PT – com a reforma das leis trabalhistas, a retomada das privatizações, a venda do pré-sal. O terceiro golpe é a condenação de Lula, com o intuito de afastá-lo da disputa e eliminar o PT do cenário político.

Como nos lembra Chantal Mouffe, política é disputa, é controvérsia. No cenário democrático busca-se vencer os adversários; o autoritarismo e o fundamentalismo substituem adversários por inimigos – que devem ser eliminados. Este acontecimento em andamento (que começou com a demonização do PT e o golpe contra Dilma), comandado por uma aliança entre poderes econômicos, políticos, midiatico e judiciário, caminha a passos largos nesse intuito de destruição. Que Brasil vai sobrar?

Vera França
Coordenadora do GrisLab e Professora Titular do PPGCOM-UFMG



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