Na sexta, dia 08, o juiz Danilo Pereira Jr., da 12ª Vara Criminal Federal de Curitiba, que analisou o recurso apresentado pela defesa de Lula, autorizou sua soltura.
Na quinta-feira, 7 de novembro, o STF derrubou o entendimento que permitia a execução provisória de pena após julgamento de segunda instância. Numa votação apertada (6×5), referendou-se o texto da Constituição: nenhuma pessoa – a não ser em alguns casos, em que ela ofereça riscos à sociedade – pode ser presa até que se esgotem todas as instâncias de apelação.
Na sexta, dia 08, o juiz Danilo Pereira Jr., da 12ª Vara Criminal Federal de Curitiba, que analisou o recurso apresentado pela defesa de Lula, autorizou sua soltura. Na porta da Polícia Federal, esperando por ele, o pessoal do Acampamento Lula Livre, políticos e apreciadores do ex-presidente que tiveram possibilidade de deslocamento rápido constituíram uma pequena multidão para dar as boas vindas e ouvir suas primeiras palavras. Estas foram sobretudo de agradecimento à solidariedade e força permanente que recebeu, ao longo de 580 dias, de seus apoiadores.
No sábado, dia 09, Lula voltou ao Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo e, frente a milhares de pessoas que foram saudá-lo, fez seu primeiro pronunciamento. A cena reeditou o histórico 7 de abril de 2018, nos momentos que antecederam sua prisão. De novo, um encontro marcado por intensa emoção; desta vez, porém, o choro era de alegria.
Não vou me deter aqui na arbitrariedade e motivações políticas de seu encarceramento. Tampouco nos 580 dias que lhe foram usurpados, já que, conforme o entendimento do STF, esta prisão contraria o artigo 5º da Constituição Federal – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Buscarei explorar os sentidos do acontecimento – e este, sem dúvida, foi um acontecimento, com tudo que isto significa: abertura de novas perspectivas, desorganização da “normalidade”, proliferação de sentidos.
O discurso de Lula foi veemente, dizendo a que veio. Ele reassumiu seu lugar de grande liderança política no espaço nacional e internacional, e se afirmou disposto a reencetar a luta em defesa das condições de vida do povo brasileiro, em particular dos trabalhadores e população pobre. Citou índices que apontam o crescimento da pobreza e o aprofundamento das desigualdades sociais, destacou a falta de crescimento econômico, a redução de direitos, a perda da soberania nacional. Se disse desprovido de rancor pessoal pela perseguição que sofreu, mas fez um discurso irado com a situação e o desgoverno do Brasil. Combateu a apatia e acomodação, e conclamou a resistência e a ação política. Também falou da situação da América Latina e da polarização entre forças progressistas e conservadoras, destacando – como fez em seu governo – a importância das alianças em defesa da autonomia da região e defesa de seu povo.
Seu posicionamento, portanto, aciona a esperança, a necessidade de ação e de organização, sinaliza a importância do diálogo e da construção de frentes pro-ativas. Seu ânimo e seu chamado ativaram os corações de todos os que pactuam com suas bandeiras e seus valores.
Por outro lado, e junto daqueles que desejaram e promoveram sua prisão, sua liberdade e seu posicionamento ativaram paixões negativas: medo e ódio. Medo de sua força e influência, ódio pelo que ele significa. O presidente Bolsonaro já acenou com a lei de Segurança Nacional; grupo de congressistas se movimenta por uma PEC (emenda à Constituição) que anule a posição votada pelo Supremo; o major Olympio, líder do PSL no Senado, fala em prisão preventiva. E Moro, inativo e mudo frente às milícias e ao laranjal, já foi acionado para reeditar seu método de perseguição ao ex-presidente.
Lula convocou o povo brasileiro a se posicionar e se manifestar – e esse chamado foi considerado “extremista”. Mas vale lembrar que no mesmo discurso ele pregou o respeito democrático ao resultado das eleições que elegeram o atual presidente. Um respeito democrático que faltou, por exemplo, ao deputado federal Eduardo Bolsonaro quando evocou, no Congresso, a volta do AI-5. Ou a Bolsonaro quando, em campanha eleitoral, conclamou seus seguidores a “metralhar a petralhada”.
Sem dúvida, a volta de Lula à cena pública abre horizontes e desperta emoções. Num país que apenas acordava a cada dia com um novo destempero do clã presidencial, com a falta de emprego e de perspectivas, com a impunidade de crimes de ódio contra mulheres, negros, índios, grupos LGBTs, com desastres ambientais irreparáveis, novas paixões assomam no horizonte. Alguns terão o ânimo recobrado na raiva e perseguição a Lula. Outros serão animados por paixões positivas – a esperança de dias melhores, a confiança na energia e no engajamento de Lula em seu projeto de um Brasil mais feliz.
Vera França, professora titular de Comunicação Social da UFMG e coordenadora do GrisLab