Sérgio Moro – o superministro, o herói da Lava-Jato, o paladino da justiça, o salvador da pátria – está na corda bamba. Apesar de ter afirmado, em entrevista na GloboNews (que vai ao ar no dia 4 de setembro), que “não entrei no governo pra sair”, sua situação anda crítica em dois lados opostos.
As conversas do juiz e procuradores de Curitiba, trazidas a público pelo The Intercept (no já chamado Vaza-Jato), mostraram que o santo tinha pés de barro – ou era de barro, para os mais críticos… A face autoritária e nada ortodoxa de Moro foi revelada por intervenções absolutamente impróprias para o juiz de uma causa – no caso, o julgamento de Lula com relação ao tríplex de Guarujá. Moro orientou ações e intervenções dos procuradores, indicou testemunhas, estimulou vazamentos à imprensa, escolheu momentos e situações de impacto para atingir a opinião pública e respaldar a ausência de provas robustas, omitiu fatos e protegeu vários nomes a quem não queria “melindrar”. Lembrando ainda as intervenções espetaculares em momentos anteriores, como escutas telefônicas não autorizadas e divulgadas, conduções coercitivas desnecessárias, e sua participação em palestras regiamente remuneradas.
Não apenas a imagem de imparcialidade do juiz foi quebrada, como também foram evidenciados procedimentos ao arrepio da lei. Para os que confiavam na honestidade de Moro, deparar-se com seus excessos e ilegalidades no mínimo decepcionou. E mesmo para aqueles que continuam repetindo que o fim justifica os meios, e a “causa” (a prisão de Lula) compensa os procedimentos antiéticos do juiz, restou no mínimo o mal-estar de justificar a má compostura de um juiz antes apontado como impoluto e incorruptível. A pergunta que ronda os apoiadores de Moro é: você gostaria de ser julgado por um juiz como ele?
Frente a tudo isto, o juiz tem feito fisionomia de paisagem.
Para o governo Bolsonaro, as acusações de mau procedimento não causaram maior constrangimento. Ali, a questão é outra: é uma disputa de egos e de poder. Junto a Bolsonaro, que no início se aproveitou da popularidade de Moro e de sua aura de combate à corrupção, e havia lhe prometido poderes de um superministro, a lua de mel acabou. Não interessa ao presidente alguém que possa lhe fazer sombra (ainda que as eleições de 2022 estejam um pouco distante), nem que atue com autonomia em uma das esferas de poder. Este tem que ser absoluto, para Bolsonaro. Assim, o presidente não tem perdido oportunidade de mostrar que é ele quem está no comando – mesmo causando humilhações ao ex-superministro (ou até para isto). Moro reivindicou o COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) em sua pasta, como mais um mecanismo de vigilância e coação junto a seus perseguidos, e não foi atendido por Bolsonaro. O presidente também não tem dado nenhum apoio ao projeto anticorrupção apresentado por Moro e que tramita (aguarda) no Congresso. Porém, os fatos mais graves ocorreram nos últimos dias, com as intervenções do presidente no âmbito da Polícia Federal passando por cima de Moro e afirmando em alto e bom tom: “quem manda sou eu” (3).
Humilhado e cabisbaixo, Moro, que não se manifestou a propósito das acusações de corrupção que atingem o clã Bolsonaro, continua calado. Ele abandonou 22 anos de carreira no judiciário atraído pelo palanque de ministro e por uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal). Os frutos colhidos até agora não são promissores…
Uma possível queda do ministro assinaria o atestado final de sua má conduta como juiz perseguidor e ainda mostraria que seu oportunismo político foi mal sucedido. Mas sua permanência também diz alguma coisa: mostra o vazio de seus propósitos e o tamanho de sua ambição.
Vera França
Coordenadora do GrisLab e Professora Titular do PPGCOM-UFMG