Sinais da inclinação autoritária, os ataques do bolsonarismo a jornalistas e ao jornalismo profissional se acentuaram na pandemia e parecem ter alvos bem definidos: a liberdade de imprensa e a estabilidade da democracia.
Desde que a Organização Mundial de Saúde declarou a pandemia de Covid-19, e que a imprensa, no exercício do seu papel, vem questionando o governo brasileiro sobre a postura e as providências adotadas, as situações de humilhação a profissionais do jornalismo vêm se acirrando, e parecem crescer na mesma proporção que o vírus se propaga no país. Partindo do próprio presidente e replicados por seus apoiadores, os ataques à imprensa tiveram nas manifestações dominicais de cunho antidemocrático um ponto alto, onde alguns profissionais chegaram a ser ameaçados e até agredidos fisicamente.
Tais situações, somadas aos episódios diários de hostilidade na frente do Palácio do Alvorada, inclusive com interrupções ao vivo, levaram alguns meios de comunicação a uma reação histórica: não enviar mais repórteres ao local, dado o grau de insegurança a que estavam expostos. Na mesma linha, o Sindicato dos Jornalistas do DF, que já vinha cobrando medidas de segurança à Presidência da República, encaminhou documento aos chefes de redação dos demais veículos solicitando a suspensão da cobertura no local, já que medidas efetivas não estão sendo garantidas. Após a reação, o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), recomendou à imprensa fingir não ouvir as ofensas e seguir tranquilamente o trabalho. Enquanto isso, apoiadores permanecem aglomerados em plena pandemia e dificultando o trabalho de jornalistas, cinegrafistas e repórteres fotográficos, considerado serviço essencial.
Não se trata de uma postura que veio com a pandemia: a própria posse presidencial, em 1º de janeiro de 2019, foi marcada por diversas limitações ao trabalho da imprensa, com restrição de circulação e até de acesso a banheiro e água. Mais recentemente, em fevereiro de 2020, houve agressões de cunho machista contra as jornalistas Patrícia Mello Campos – uma das responsáveis pelas reportagens da Folha que revelaram o esquema de envio de mensagens em massa pelo WhatsApp nas Eleições 2018 –, e Vera Magalhães, do Estadão, por denunciar que o presidente havia usado o próprio celular para convocar a população a participar de manifestações contra o Congresso. No início de março, quando foi divulgado o baixo resultado do PIB do país em 2019, o presidente escalou um humorista para oferecer bananas à imprensa, ironizou o PIB e se recusou a falar sobre o assunto.
A lista é enorme e revela que o comportamento hostil e debochado direcionado a jornalistas é a regra, e tem objetivos bem definidos. Junto às inúmeras tentativas de desacreditar a imprensa, desmentindo informações concedidas anteriormente, o bolsonarismo parece adotar uma estratégia que busca minar a credibilidade do jornalismo profissional para, assim, fortalecer as mídias disseminadoras de fake news. Mais do que isso, parece tentar impedir e intimidar os profissionais e, consequentemente, limitar o acesso da sociedade à informação. Sendo a liberdade de imprensa pilar fundamental da democracia, e a restrição ao trabalho dos jornalistas uma marca dos regimes autoritários, não são poucos os indicativos da natureza do governo que estamos vivendo.
Cecília Bizerra Sousa, jornalista, doutoranda em Comunicação pela UFMG e pesquisadora do Gris