Análise | Gênero e sexualidade Poder e Política

O autoexílio de Jean Wyllys: e quem fica?

Fonte: Reprodução/Twitter.

“Eu não quero ser mártir. Eu quero viver”. Às vésperas do início de seu terceiro mandato consecutivo na Câmara dos Deputados, Jean Wyllys (PSOL) decidiu abrir mão do assento parlamentar e sair do Brasil. Em entrevista à Folha de São Paulo, o ativista e único deputado assumidamente homossexual do país disse que temia que as ameaças de morte que recebe se concretizassem – elas começaram no início do sua atuação na política, em 2011, mas se tornaram constantes após o assassinato de Marielle Franco, sua amiga e companheira de militância, em março de 2018. O crime fez com que ele solicitasse escolta policial e carro blindado (pago com sua cota parlamentar), mas fazia com que estivesse “vivendo pela metade”. Soma-se a isso as fake news com seu nome, que incluem menções à pedofilia e bestialismo, a violência que seguiu a vitória presidencial de Jair Bolsonaro (PSL) e a recente revelação de que parentes de supostos milicianos envolvidos com a morte de Marielle trabalharam para Flávio Bolsonaro. “Quero cuidar de mim e me manter vivo” é a frase com que conclui a conversa.

A notícia-anúncio caiu feito bomba e se espalhou por todos os lados da opinião pública. Anônimos, celebridades, políticos e outras figuras públicas reverberaram a decisão de Jean e se manifestaram. A que mais impactou foi a mensagem do presidente da República, via Twitter: “Grande dia! 👍”; seguido por seu filho e vereador do Rio de Janeiro, Carlos: “Vá com Deus e seja feliz! 👍”. Logo, negaram e distorceram o significado dos tweets, seguindo seu modus operandi. Mais tarde, apoiadores do presidente começaram a circular a tese de que Jean estaria envolvido com o atentado sofrido por Bolsonaro em 2018 e teria fugido. Segundo apuração do pesquisador Pablo Ortellado (EACH-USP) e da Agência Pública, o boato foi disseminado através do roteiro habitual de fake news: iniciado por contas anônimas no Twitter, replicado por figuras públicas, como Lobão, Olavo de Carvalho e Alexandre Frota; por fim, foi parar em canais de YouTube e páginas do Facebook com milhares de seguidores, tomando ares de “notícia”.

A mídia internacional também repercutiu o acontecimento, focando em suas motivações e implicações. O Libération o noticiou sob a editoria Homophobie, e citou os diversos relatórios de organizações que já apontavam o risco à vida de Jean Wyllys, como o da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O New York Times citou os diversos embates que Jean e Bolsonaro protagonizaram na Câmara, com ênfase nos discursos violentos, racistas e homofóbicos do agora presidente; Bloomberg e o Guardian seguiram a mesma linha, com o último considerando que os índices de intolerância no Brasil devem aumentar após a saída de Jean: “Apesar da imagem do Brasil como uma nação inclusiva e que é casa da maior parada gay do mundo, a homofobia é rampante e muitas vezes, violenta”. A ONG internacional Human Rights Watch publicou a seguinte manchete: “Uma voz dos direitos LGBT silenciada no Brasil”

Jean sai, seu impacto e visibilidade também. E quem fica? São muitos: negros, mulheres, LGBTs, pobres e todos que se situam nas interseções desses grupos constantemente ameaçados e para quem Jean representou e deu voz no Legislativo. Quem assume sua cadeira é David Miranda, suplente do PSOL, negro e gay assumido; ele surgiu no cenário político e midiático devido à participação na revelação do escândalo de espionagem da NSA, em 2013. O desafio de manter o pique é grande, mas ele já se propôs a mostrar ao que veio: “Sai um LGBT mas entra outro, e que vem do Jacarezinho. Nos vemos em Brasília”, respondeu ao tweet irônico de Jair Bolsonaro. Jean sai, mas a representação fica.

Pedro Paixão

Graduando em Jornalismo pela UFMG



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