Rodrigo Serrano, 26 anos, foi morto por policiais no Morro Chapéu Mangueira, Rio de Janeiro. O motivo? Usava um canguru – acessório para carregar seu bebê – e segurava um guarda chuva. Os objetos foram confundidos com um colete à prova de balas e um fuzil e por isso o jovem foi alvejado por três tiros.
Eram 19h30, Rodrigo Serrano aguardava a esposa e os dois filhos, um de quatro anos e o outro de apenas sete meses, em um ponto de ônibus na comunidade onde morava. Junto ao corpo, Rodrigo usava um canguru para carregar o bebê e nas mãos segurava um guarda-chuva preto. Segundo moradores, policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) teriam atirado no homem após confundirem seu guarda-chuva com um fuzil e o canguru com um colete à prova de balas.
A polícia apresentou outra versão: moradores teriam denunciado a presença de criminosos na localidade e chegando ao local, houve troca de tiros e o confronto, que culminou na morte de Rodrigo, com três tiros, e também feriu Jonatas Rodrigues, de 21 anos, com um tiro de raspão. O caso foi registrado pela 12ª DP (Copacabana) como auto de resistência, ou seja, como se Rodrigo tivesse reagido à abordagem policial.
Olhando para o modo como a narrativa sobre o acontecimento é construída pela mídia, percebemos que a versão dos moradores e da família de que Rodrigo foi morto injustamente é legitimada. As reportagens dão a ver a trajetória de vida da vítima – casado, trabalhador, pai de família – e ressaltam a confusão entre o guarda chuva e o fuzil. Sua morte, porém, é retratada principalmente como fatalidade. Rodrigo é vítima de um engano e não de uma execução policial. O fato ganha até mesmo certo tom de curiosidade dado o objeto confundido com a arma.
O enquadramento do caso como consequência da violência policial e da máxima “atire primeiro e pergunte depois” é deixado em segundo plano. Aparece na voz da família, mas é pouco problematizado pela mídia. Algumas reportagens, inclusive, destacam que Rodrigo já tinha sido preso anos antes, o que contribui para que sua imagem de vítima fique sob suspeição: não estava armado naquele momento, mas também não deixava de ser criminoso.
Para além das páginas policiais, a morte de Rodrigo também ganha repercussão política a partir de dois acontecimentos correlacionados no início de novembro. O primeiro, o compartilhamento de Jair Bolsonaro de uma publicação no Twitter que ironiza uma cena na qual supostos criminosos ostentam fuzis com a frase “Acho que vai cair uma tempestade, olha quanto guarda-chuva” e o segundo, a proposta do governador eleito pelo Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSL), de que os policiais fluminenses não devem ser responsabilizados por matarem pessoas que portem armas, como fuzis.
O compartilhamento de Bolsonaro, além de criminalizar Rodrigo, demonstra a insensibilidade do presidente eleito diante do ocorrido e, principalmente, reforça seu apoio incondicional e acrítico à ação policial. Na mesma linha, a proposta de Witzel, de que os policiais possam “abater” – termo usado por ele – os criminosos que portam armas com um tiro na cabeça, desconsidera os vários casos de erro policial, como na morte de Rodrigo, e sinaliza uma licença para matar, o que fere os Direitos Humanos, além de ser inconstitucional.
No entanto, percebemos que para governantes como Bolsonaro e Witzel, a morte de Rodrigo é apenas um dano colateral. Apoiados por uma parcela considerável da população, suas medidas problemáticas de combate à criminalidade incitam ainda mais a violência e provavelmente farão ainda mais vítimas como Rodrigo: pobre, morador de periferia, negro.
Fabíola Souza
Doutora em Comunicação Social pela UFMG e pesquisadora do GRIS