Análise | Especial Mídia e tecnologia

O espelho Glenn e uma imprensa que não reconhece a própria imagem

Ao trabalhar pela publicação de mensagens trocadas entre membros da Operação Lava Jato, o jornalista estadunidense pôde revelar, além de um esquema persecutório, liderado por Sérgio Moro, a face de uma mídia com condutas vacilantes e ética maleável.

Foto: Vinicius Loures / Câmara dos Deputados

Glenn Greenwald ressurgiu com novas denúncias, agora sobre autoridades brasileiras. Ainda que alguns tentem negar, ele foi vencedor do prêmio Pulitzer de jornalismo em 2014 pela série de reportagens que publicou em parceria com Laura Poitras no “The Guardian”, sobre documentos vazados por Edward Snowden que provavam a existência de programas secretos de vigilância e espionagem global pelo governo dos Estados Unidos.

Desde junho, mensagens obtidas por fonte anônima e publicadas no site The Intercept Brasil, comprovam que o então juiz Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Jair Bolsonaro, instruiu fora dos autos, de forma parcial e, portanto, ilegal, membros do Ministério Público acerca de investigados da Operação Lava Jato, dentre eles, o ex-presidente Lula.

No entanto, nem o currículo do jornalista – também vencedor do Prêmio Esso, em 2013 – e nem mesmo as graves denúncias feitas por Glenn sobre a parcialidade de parte do judiciário brasileiro, foram capazes de fazer com que alguns se indignassem e passassem a cobrar pelo restabelecimento urgente do Estado Democrático de Direito. Ao contrário, as reações de parte da sociedade se dividiram entre o silêncio envergonhado após o trabalho de Glenn e os mais baixos insultos proferidos em alta voz contra ele, inclusive, com o uso de termos homofóbicos – Glenn é gay, casado com o deputado David Miranda (PSOL) e pai de duas crianças. Houve quem pedisse a “expulsão” dele pelo governo brasileiro.

Entre aqueles que insurgiram contra o trabalho jornalístico, de interesse público de Glenn, estão, pasmem, parte da mídia. O enquadramento dado por setores da grande imprensa procura focar em questões sobre a forma como as mensagens teriam sido obtidas, supostamente originadas de um hackeamento criminoso contra autoridades. O que chama a atenção é o fato de que a mesma mídia, que até pouco tempo celebrava os “avanços no combate à corrupção” pela operação Lava Jato, não viu problema em publicar mensagens vazadas de autoridades com foro privilegiado, no recente ano de 2016. Evocou o interesse público, não procurou questionar, nem por um minuto sequer no telejornal, a origem das informações que obtivera para preencher os seus noticiários, com horas intermináveis de diálogos, muitos deles, de conteúdo privado e constrangedor. Como se não bastasse, na trama política, esqueceu-se de informar e se comprometeu, ao se deixar em encantar pelo herói Sérgio Moro combatendo, com métodos questionáveis, os vilões da política.

À imprensa, restaria fazer uma autocrítica, como geralmente cobra dos políticos. Mas é pouco provável que ela venha. Todavia, já é o bastante que o jornalista Glenn Greenwald, ao mirar na conduta de membros do Judiciário, tenha exposto também a incapacidade de parte de seus colegas de se enxergarem nas mesmas ações que ora aprovam e ora desaprovam ao sabor de uma ética própria, que pode mudar conforme seus interesses.

Pablo Nogueira Mestrando em Comunicação pela UFMG e jornalista do Centro de Comunicação da Universidade Federal de Minas



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