A aprovação do próprio reajuste salarial pelos ministros do STF, bem como suas consequências, revelam traços da sociedade brasileira e de sua elite.
No último dia 8 de agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou, por 7 votos a 4, a previsão de um reajuste salarial de 16,38% para os/as ministros/as da Corte. Tal previsão será incluída no orçamento do órgão a ser enviado ao Ministério do Planejamento para integrar o Orçamento Geral da União – o qual deve ser aprovado pelo Legislativo e, depois, sancionado pelo presidente da República. Se aprovado o reajuste, o salário passará de R$ 33.763,00 para R$ 39.293,38 mil mensais a partir de 2019. A medida reverberou nas mídias e nas redes sociais digitais, e é preciso refletir não apenas sobre suas consequências, mas sobre o seu poder hermenêutico, ou seja, o que ela revela da sociedade em que vivemos.
A medida pode acarretar custos estimados em mais de 3 bilhões de reais por ano ao Estado brasileiro. Isso porque, como a remuneracação dos ministros do STF é a base para a definição dos salários do funcionalismo público, é provável que haja um efeito cascata, ou seja, vários funcionários públicos (do Poder Judiciário, do Ministério Público, além de ministros e parlamentares) poderão reivindicar reajuste, aumentando ainda mais o rombo nas contas públicas. Se, como bem lembrou Guilherme Boulos em seu Twitter, o mesmo STF, há dois anos, “negou ação contra o congelamento dos gastos em saúde e educação porque o ajuste fiscal era ‘fundamento das economias saudáveis’”, parece que agora os ministros estão bem dispostos a ameaçar a já abalada saúde do país para garantir (e aumentar) seus privilégios.
Esse acontecimento se mostra um acinte à sociedade brasileira, que tem hoje cerca de 13 milhões de desempregados e enfrenta, cotidianamente, cortes na saúde e na educação (cujos investimentos foram congelados por 20 anos). Uma sociedade em que metade dos trabalhadores têm uma renda média mensal 19,5% abaixo do salário mínimo, enquanto o reajuste aprovado para a remuneração dos ministros projeta o salário a quase 40 salários mínimos. Um reajuste “modestíssimo”, disse o ministro Lewandowski. Uma fala que zomba dos pobres, incapazes/as de dimensionar a distância abissal que marca a relação entre eles e as elites do país.
Como muito bem colocou o jornalista Kennedy Alencar, a medida do STF é “um retrato da elite brasileira”. Uma elite sem compromisso com a superação das imensas desigualdades sociais no país, que trabalha em função da garantia de privilégios que reafirmam a concentração de renda no Brasil. Na expressão de Jessé Souza, uma “elite do atraso”.
Paula Simões
Professora de Comunicação Social pela UFMG e pesquisadora do GRIS