A batalha judicial pela apresentação dos exames de Covid-19 do presidente Bolsonaro se arrastou por semanas, e a divulgação do resultado negativo levantou mais questões do que respondeu, reiterando também as diferenças entre seus apoiadores e opositores.
Desde seu retorno dos Estados Unidos, em 11 de março, com uma comitiva que teve mais de 20 casos de Covid-19 confirmados, o presidente Jair Bolsonaro está em observação — não médica, mas sob os olhos da imprensa e demais cidadãos. Embora a Fox News tenha noticiado seu diagnóstico de coronavírus, o presidente negou e rejeitou recomendações de distanciamento, comparecendo a aglomerações, tocando o nariz e apertando mãos de apoiadores.
O Estadão solicitou, judicialmente, o acesso aos exames, ao que a Advocacia-Geral da União (AGU) atendeu apenas com um relatório da coordenação de saúde da Presidência, atestando que Bolsonaro estava assintomático. Segundo informações da Organização Mundial da Saúde (OMS), replicadas pelo Ministério da Saúde, a maioria dos casos de Covid-19 podem ser assintomáticos, e estima-se que pacientes sem sintomas ou com sintomas leves sejam responsáveis por dois terços das infecções.
A Justiça Federal de São Paulo considerou o relatório insuficiente e deu 48 horas para a apresentação dos exames. Bolsonaro respondeu que se sentiria “violentado”, defendendo seu direito à privacidade e a suficiência de sua palavra — declarando, depois, que talvez tenha sido contaminado sem ter sentido a doença. Dois ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) chegaram a se manifestar: Luís Roberto Barroso declarou que Bolsonaro estaria sujeito a impeachment caso não cumprisse a determinação e Marco Aurélio Mello afirmou que, por ser um homem público, o direito à privacidade não se aplica a este caso.
Após outros recursos, entre favoráveis e negados, Bolsonaro reiterou que só apresentaria os laudos caso perdesse em última instância, e o motivo parecia claro: segundo relatos sobre o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, a última com a presença de Sérgio Moro, Bolsonaro teria dito que a divulgação dos exames poderia levar a um impeachment. Por fim, entregou os dois laudos requisitados e, ainda, um terceiro, ao ministro do STF Ricardo Lewandowski, que determinou ampla publicidade.
Os exames — sob os pseudônimos “Airton”, “Rafael” e “05”, mas com RG, CPF e/ou data de nascimento do presidente nos dois exames da Sabin — resultaram negativo para coronavírus. Por que, então, a relutância?
Nas redes sociais, robôs e apoiadores do presidente acusam os jornais de invasão de privacidade e fake news, reforçando a narrativa de um mártir injustamente perseguido. Opositores discutem a possibilidade de fraude — a Fiocruz, responsável por um dos exames, confirmou que recebeu amostras do Planalto, mas acrescentou que o material não tinha identificação por nome ou documentos, apenas numérica. Outra hipótese, comum no governo bolsonarista, é a da cortina de fumaça: enquanto a sociedade se ocupa com o diagnóstico do presidente e seu possível papel como transmissor, desvia tempo e energia do debate sobre a insuficiência das políticas públicas federais contra a pandemia no âmbito coletivo, bem como a suspeita de interferência na Polícia Federal.
O desafio para sobreviver ao governo Bolsonaro parece ser precisamente o excesso de sintomas concomitantes. Seja qual for a estratégia, o resultado é o desgaste ainda maior de uma população já confusa e apreensiva em relação ao futuro do país.
Lucianna Furtado, Doutoranda em Comunicação Social (PPGCOM-UFMG)