Não apenas em função da grave acusação de estupro e agressão, precisamos falar sobre Feliciano como mais um representante do movimento radical conservador, cada vez mais apoiado pela população, pela mídia e pelas estruturas governamentais. Na análise, observamos o escândalo que envolveu o deputado federal, parte de seus colegas e uma jovem estudante, que acabou sendo criminalizada a partir de sua própria denúncia.
O deputado Marco Feliciano foi denunciado, em agosto, por tentativa de estupro e agressão por uma estudante de jornalismo, que também acusa o Partido Social Cristão (PSC) de ter oferecido dinheiro em troca de seu silêncio. A denúncia foi encaminhada para a Procuradoria-Geral da República e a história virou caso de polícia. Veículos repercutiram a acusação e o assunto causou indignação nas redes sociais. Mas só durante algumas semanas. Depois que a poeira baixou, a jovem, que alega-se vítima, parece ter sido prejudicada com a exposição, já que foi indiciada pela Polícia de SP por denunciação caluniosa e tentativa de extorsão.
É verdade que as informações são opacas e comprometem um julgamento mais apurado. Mas também é no mínimo estranho que, diante de materiais como vídeos, áudios e conversas textuais apresentadas como provas, o caso tenha sido silenciado tão rapidamente, transfigurando a vítima em suposta criminosa.
Patrícia Lelis era militante do PSC antes do escândalo. Ela disse que o deputado armou uma emboscada e tentou estuprá-la [1]. Alegou ter relatado a agressão à cúpula do PSC no dia seguinte, mas o caso só veio à tona quando um site divulgou a denúncia com os prints das mensagens trocadas entre a jovem e Feliciano. Logo depois da acusação ganhar visibilidade, Patrícia desmentiu as denúncias, e, poucas horas depois, a divulgação de um áudio indicava que esses vídeos teriam sido produzidos após coerção.
O chefe de gabinete do parlamentar, Talma Bauer, supostamente é o homem que, na gravação, pressiona Patrícia. Ele foi preso após acusações de cárcere privado, mas ficou detido poucas horas. Desde então, tem evitado pronunciamentos [2].
Feliciano foi quem se empenhou em sua defesa nas redes sociais. Gravou um vídeo afirmando que sofre “boataria todo dia” e que seria vítima de uma armadilha. Fez um apelo ao público, dizendo que, com o tempo, todos veriam “que tudo isso não passa de uma grande farsa”. O caso dele corre em Brasília, já que tem foro privilegiado. Com relação à denúncia de cárcere privado, Patrícia, até o momento, é quem tem sido encarada como transgressora. O delegado do caso afirmou [3] que a jovem sofre de “mitomania, uma condição mental que faz a pessoa mentir compulsivamente”.
Nesse contexto de sombras, a trajetória do pastor acusado e os princípios ideológicos que regem sua atuação são fundamentais para a análise do caso. Feliciano elegeu-se deputado federal e logo destacou-se pela agressiva agenda contra os direitos da mulher e da comunidade LGBT. Fez intensa mobilização pela aprovação do projeto da “cura gay” e assumiu o protagonismo na luta da bancada religiosa contra as propostas de ampliação ao direito do aborto. Os holofotes o favoreceram na disputa pelo eleitorado conservador. Nas eleições de 2014, quase dobrou o número de sufrágios obtidos, tornando-se o terceiro deputado mais votado no estado de São Paulo.
Nesse sentido, precisamos falar sobre Feliciano, não apenas porque a acusação de estupro sob ele é grave e nebulosa, mas porque as reverberações parecem ser induzidas de forma simbólica. Os supostos crimes, de alguma maneira, se associam à agenda agressiva contra os direitos da mulher, ao mesmo tempo em que a defesa reacionária e machista do pastor parecem encontrar respaldo na mídia e até na conduta nas investigações. A cultura que atua como pano de fundo permanente também parece ser conservadora. Por isso, precisamos falar sobre os riscos desse conservadorismo radical que assombra as potencialidades dos diálogos democráticos e construtivos, buscando alcançar maneiras de apreendê-lo e evitá-lo. Precisamos falar sobre ele, para que não seja preciso temê-lo. Agora, ainda mais.
Fernanda Medeiros
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UFMG
Pesquisadora do Gris
[1] “Ele tentou levantar meu vestido e tirar minha blusa. Como eu não deixei, ele me deu um soco na boca e um chute na perna”, afirmou aos investigadores, segundo o relato do jornal O Estado de S.Paulo.
[2] “Isso me parece que é uma perseguição política. As esquerdas estão aí, querendo derrubar todo mundo, mas nós estamos firmes, com Jesus venceremos”. (Bauer ao ser liberado).
[3] Em entrevista ao programa SBT Brasil. Repercutido nas plataformas digitais.
Esta análise faz parte do cronograma oficial de análises para o mês de setembro, definido em reunião do Grislab.