O vídeo da reunião ministerial divulgado pelo STF em maio faz um raio-x bem preciso do governo atual. Se ainda restavam dúvidas sobre como o governo Bolsonaro age, qual postura ele tem diante do país, e o que planeja para nossa nação, as dezenas de palavras chulas ditas pelo presidente e pelos ministros, além das falas autoritárias, escancaram o modus operandi bolsonarista e o tratamento dado ao povo brasileiro.
Veio a público, no dia 22 de maio, o vídeo de reunião do presidente com todos os seus ministros ocorrida em 22 de abril passado. A disponibilização do vídeo ocorreu por determinação do STF, no âmbito do processo de acusação, por parte do ex-ministro Sérgio Moro, de tentativa de interferência indevida de Bolsonaro nos trabalhos da Polícia Federal.
Não é nossa intenção, aqui, analisar o embate Bolsonaro-Moro; tampouco vamos fazer uma análise desse discurso, nem desta reunião. As palavras do presidente e dos ministros que seguem abaixo (incluindo os palavrões) já dizem claramente a que servem e dão o exato tom do governo atual: repleto de ódio, desrespeito e absurdos. Ficam apenas algumas perguntas em aberto, no momento de uma crise sanitária inédita, com o número de mortes já se anunciando crescente no país naquele final de abril: qual recuperação nossos governantes apontam, e que rumo é possível esperar dessa reunião de cúpula? Que resposta estão dando à catástrofe que se abate sobre o Brasil?
A reunião, que durou 1h55’, foi convocada a pedido do ministro da Casa Civil, general Braga Netto, com o objetivo de apresentar um projeto que ele anunciou como um plano de recuperação econômica e social, o ProBrasil. Slides do projeto foram apresentados em cerca de 10 minutos, e na sequência os presentes tomaram a palavra.
Paulo Guedes, o primeiro a falar, corrigiu a fala do general, lembrando que ele, Guedes, é o grande entendido em planos de recuperação. Pontua que o plano apresentado pelo general dá continuidade à proposta desenvolvimentista dos governos passados – “que deu no que deu”. Diz que o Brasil está agora no rumo certo (só perturbado pela pandemia) e a retomada tem que se dar com investimentos privados e não públicos. Também chamou a atenção de “ministros querendo aparecer”.
Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, interviu para dizer que o “momento de tranquilidade” que eles (governo) estão vivendo, com a imprensa preocupada com a pandemia, é a oportunidade para “passar reformas infralegais”, ir “mudando regramentos” e “passando a boiada”. O momento deve ser aproveitado por “todos os ministros que têm coisas para desregulamentar”.
Bolsonaro aproveitou a deixa para lembrar seus ministros de acordar para a política. Traçou o quadro dessa “desgraça toda” que está aí: essa “putaria”, “a OAB da vida enchendo o saco”, mais Iphan, Imetro, “uns porcaria” que estão de “frescurada”. Afirmou com todas as letras seu lugar de mando – “Eu sou o chefe supremo das Forças Armadas, e ponto final”. “Tenho poder e vou interferir em todos os ministérios”. “Tem que jogar pesado”. Tudo isso recheado com seu vocabulário regular: merda, porra, filho da puta, puta que pariu.
Seguem-se outras falas, mais protocolares. Na sequência intervém a ministra Damares, enfatizando que é preciso reinventar as políticas públicas no Brasil, que devem ser pautadas por “valores” (não diz quais). “Meninos estão nascendo nos quilombos, com os valores de lá”. “Vem a palhaçada do STF trazendo o aborto de novo” (nesse momento aproveita para fazer um alerta ao ministro da Saúde: seu ministério está lotado de feministas que têm como pauta única liberar o aborto). Diz que nunca houve tanta violação de direitos humanos como nesse período – e que governadores e prefeitos deverão responder a processos, é preciso pedir a prisão de alguns governadores. E que seu ministério vai pegar pesado.
Logo após essa fala, que tem como eixo a defesa de valores, o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antonio, aproveita para defender a implantação dos “resorts integrados” – hotéis com cassino, que vão garantir a entrada de bilhões de dólares no Brasil (Damares protesta).
O ministro da Educação, Abraham Weintraub, em discurso inflamado, relembra seus propósitos – “o que me fez embarcar é a luta pela liberdade”. Defende que é preciso “acabar com essa porcaria que é Brasília” – um cancro, onde reina corrupção e privilégio. “Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando pelo STF”. Aproveita para criticar colegas – “muita gente com agenda própria, veio pra jogar o jogo”. E relembra que veio para lutar. Repete quatro vezes que odeia o termo povos indígenas, povos ciganos. Que “tem que acabar com esse negócio de povos e privilégios”.
Com esse discurso, de novo Bolsonaro se inflama. “Essa cambada que tentou chegar no poder em 64. Não podemos esquecer”. “Se precisar aqui, as Forças Armadas vão cumprir seu papel”. Entre outros impropérios, engatilha a fala posteriormente denunciada por Moro (de interferência na Polícia Federal): diz que vai mexer na segurança do Rio de Janeiro, pois “não vou esperar fuder minha família toda de sacanagem, ou amigo meu”. E avisa: “não posso trocar gente na ponta da linha? Vou trocar. E se for o caso, troco o ministro. E ponto final”.
Termina sua intervenção, recheada de muitos “bosta” e “filhos da puta”, defendendo o armamento do povo: “por isso que eu quero que o povo se arme”, para fazer frente a “um bosta de um prefeito (que) faz uma bosta de um decreto”. “Eu quero dar um puta de um recado pra esses bosta”. “Vou escancarar a questão do armamento. Vai pra puta que pariu, porra! Os caras querem nossa hemorroida. O bosta de São Paulo, o estrume do Rio de Janeiro”.
Guedes retoma a palavra; diz que é preciso continuar aprofundando as reformas e que “vamos ganhar dinheiro para salvar as grandes companhias. Agora, vamos perder dinheiro salvando as pequenininhas…”. Fala que o avanço implica derrubar torres, e “já botamos a granada no bolso do inimigo. Dois anos sem aumento de salário. Era a terceira torre que precisamos derrubar”. Apoia a liberação de cassinos que vai trazer os endinheirados para o Brasil, bem como a privatização do Banco do Brasil: “tem que vender essa porra logo”. O problema maior não é o vocabulário chulo do presidente e sua turma – o pior é que por trás desse discurso não existe nenhuma proposta para enfrentar as diversas crises que o Brasil está vivendo…
Vera França, professora titular de Comunicação Social da UFMG e coordenadora do GrisLab
Maíra Lobato, mestra em Comunicação Social pela UFMG