Análise | Especial Esportes Questões raciais

Racismo no futebol: um ato político

A partir dos últimos acontecimentos do mundo futebolístico é possível apreender que esse campo é muito mais do que um esporte, englobando e refletindo valores da sociedade atual.

Foto: Lucas Von Dollinger.

“Não é só futebol.”

Você provavelmente já ouviu algum torcedor apaixonado recitar essa frase, ou até leu em alguma rede social (enquanto tomava conhecimento de um caso de amor entre um clube e seu admirador). Entretanto, ela assume sentidos para além desse âmbito. Realmente não é só futebol ou só um jogo, é um ato com viés político. 

Pensar atividades de entretenimento como agentes que interagem com a sociedade e a refletem ainda é um exercício pouco realizado. Dessa forma, para a maior parte da população, futebol é quase que um mundo à parte, e o que acontece nos prés/pós jogos ou nas imediações do estádio não são considerados como desdobramentos da atividade. Assim, amparados por essa justificativa grotesca, muitos crimes não recebem a importância necessária e acabam passando despercebidos ou sem punições.

Esse foi o caso do cenário de racismo ocorrido no Mineirão, no último clássico entre Cruzeiro e Atlético Mineiro, em novembro. Na ocasião, os irmãos Adrierre Siqueira da Silva e Natan Siqueira Silva são suspeitos de praticarem injúria racial contra um segurança negro que estava no estádio, proferindo gritos racistas como “Macaco” e “Olha sua cor”. Porém, apesar das provas materiais em vídeo, os suspeitos negaram racismo e pediram desculpas em rede nacional, logo após serem liberados da delegacia. Um deles alegou que pessoas negras “cortam meu cabelo”, numa inédita justificativa do injustificável.

Hoje, a Associação Ucraniana de Futebol confirmou a suspensão de um jogo para o jogador Taison, por reagir mostrando o dedo do meio e chutando a bola em direção à torcida do Dínamo de Kiev após sofrer com ataques racistas. Aparentemente se espera uma passividade de quem é agredido cotidianamente – e ainda por cima tem o seu direito de reagir retirado. A punição ao clube pelo caso que ocorreu no último dia 10 de novembro ( que o clube jogasse uma partida com portões fechados e pagasse uma multa de 500 mil Grívnia (equivalente a R$ 87.160,38) não deve impedir que aconteçam novos acontecimentos da mesma natureza.

Apesar de tantos casos, é raro encontrar clubes e atletas que se posicionem a respeito da luta anti-racista e realizem ações afirmativas, além das campanhas convencionais no mês de novembro. Tal situação contribui para a perpetuação do racismo dentro e fora de campo, além de posicionar o assunto como um tabu no meio esportivo. Isso reflete diretamente no quadro de atletas e profissionais negros que atuam no Brasil, sendo que atualmente, dos 20 clubes participantes da série A, apenas 2 possuem técnicos negros

Assim, a discussão é cada vez mais abafada, ocultando questões e lutas importantes.Tendo isso em vista, o racismo no futebol, juntamente com as reações apáticas dos atletas e clubes frente a pauta anti-racista, assume um caráter político, refletindo os valores da sociedade e interagindo diretamente com eles, o que ultrapassa as barreiras do entretenimento.

Evelly Lopes, graduanda em Publicidade e Propaganda na UFMG e bolsista de Iniciação Científica pelo GrisLab



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