Se, enquanto militante do Femen, Sara Giromini pedia a cassação de Bolsonaro, após ser expulsa do grupo, ela torna-se uma aguerrida defensora do bolsonarismo e de valores de ultradireita. Recentemente presa por liderar manifestações antidemocráticas, Sara talvez seja hoje a representação mais emblemática e simbólica do bolsonarismo.
De “feminista” radical a extremista conservadora. Resumir as escolhas políticas antagônicas da jovem paulista Sara Fernanda Giromini, de 28 anos, ao longo de sua breve trajetória política, poderia nos levar a essa tentativa de síntese, mas os caminhos são bem mais complexos. Entre 2012, quando a jovem passou a se autodenominar Sara Winter e representava no Brasil o grupo Femen, e 2020, quando ela é presa por liderar um grupo de bolsonaristas denunciados por fazer apologia ao nazismo e atentar contra a democracia, muitas foram as mudanças experimentadas por ela e pelo país. Qualquer tentativa de síntese não daria conta de expressar o que essa trajetória diz sobre a figura de Giromini e sobre o próprio Brasil.
Sara Giromini se projetava publicamente como representante no Brasil do grupo feminista radical Femen, de origem ucraniana e famoso mundialmente por intervenções públicas que utilizam a nudez como forma de protesto. Como ativista feminista, tentou uma vaga no BBB em 2014 para combater o “machismo em geral”. Depois de expulsa do Femen, já não mais pedia cassação de Bolsonaro como antes e tornou-se curiosamente uma aguerrida defensora do bolsonarismo e de valores alinhados ao conservadorismo de ultradireita. Passou a se definir como “ex-feminista” e ativista “pró-vida e pró-família”, ocupando, de junho a outubro de 2019, o cargo de coordenadora-geral de Atenção Integral à Gestante e à Maternidade do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Conforme consta no seu site, hoje atua como “consultora particular” no mesmo Ministério.
Além disso, lidera algumas dezenas de apoiadores do presidente sob o nome de “300 do Brasil” (referência ao filme “Os 300 de Esparta”, sobre guerreiros gregos), investigado por organização e financiamento de atos antidemocráticos. O nome social escolhido pela bolsonarista, “Sara Winter”, é estrategicamente oculto em muitas reportagens (sobretudo em telejornais da Rede Globo), cuja possibilidade de referência ao pseudônimo de uma apoiadora nazista britânica traria, por si só, grande prejuízo à narrativa jornalística. A associação inclusive não poderia fazer mais sentido, já que, dias antes do assassinato de George Floyd, em protesto feito em maio de 2020, um acampamento dos “300” liderado por Giromini emulou ações do movimento supremacista e racista Ku Klux Klan (KKK) em frente ao Supremo Tribunal Federal com tochas e máscaras, o que contrasta completamente com a caracterização dada por seu advogado de uma “mãe de família, patriota, temente a Deus”.
Suspeita de se envolver em ataques contra o STF e o ministro Alexandre de Moraes, que levaram à expulsão dela do partido DEM, Sara foi presa, em seguida foi solta com tornozeleira eletrônica e medidas de restrição, além de ter suas redes sociais suspensas. Mas nada disso arrefeceu sua vontade de exposição nos meios de comunicação: veio o anúncio público de seu noivado e casamento relâmpago quase que instantaneamente, provavelmente na tentativa de mudar a pauta do dia.
Sara Giromini talvez seja, hoje, um espelho fiel, a representação mais emblemática e simbólica do bolsonarismo, que diz defender a vida e aposta na “política de morte”: gosta de estar sob holofotes, faz apologia ao armamento da população, expõe abertamente posturas racistas, é agressiva e faz ameaças a autoridades e ao STF sem medo de punição, tem um currículo duvidoso (sem comprovação), desrespeita toda a humanidade ao defender o nazismo, subverte valores cristãos e democráticos, é investigada de participar ativamente de um sistema de compartilhamento de fake news que mata pessoas todos os dias. A aparente incoerência de suas ações é estrategicamente pensada para “causar” e ocupar espaços midiáticos a qualquer custo, disseminando o pior do conservadorismo tupiniquim e promovendo um verdadeiro desserviço à sociedade e a movimentos de luta contra a desigualdade de gênero.
Tamires Coêlho, professora do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFMT, doutora em Comunicação pela UFMG e jornalista
Cecília Bizerra Sousa, jornalista, doutoranda em Comunicação (UFMG) e pesquisadora do Gris