Criado em 1988, o SUS, que anda tão desvalorizado, sucateado e subfinanciado pelo atual governo, é o mesmo que está fazendo a diferença na crise da Covid-19. Até mesmo o então ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, conhecido defensor dos planos de saúde, tornou-se um verdadeiro porta voz do Sistema.
Trabalho em assessoria de comunicação na área de saúde pública há 12 anos e atuo com o atendimento à imprensa e produção de conteúdo. O que me motiva — e acredito que também à maior parte das pessoas inseridas na saúde pública — a acordar todos os dias e ir ao trabalho é compreender que o Sistema Único de Saúde (SUS), e minha atividade, irão, de alguma maneira, ajudar a vida de alguém.
Penso que, ao ter acesso às informações e se apropriar daquele conteúdo, uma pessoa pode ser afetada no modo como enxerga sua própria condição e realidade de vida. Acreditar nisso é o que me ajuda a segurar a onda para enfrentar jornadas de trabalho de 10 a 12 horas diárias, em regime presencial, e as de teletrabalho nos finais de semana e feriado, atendendo imprensa, produzindo conteúdo e ajudando a fazer as informações circularem nesse período.
Criado em 1988, o SUS, que funciona como nosso incentivo diário, é também aquele sistema que anda tão desvalorizado, sucateado e subfinanciado pelo atual governo e que, ao mesmo tempo, está fazendo a diferença para a população brasileira. Até mesmo o então ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, exonerado no último dia 16 de abril, passou a fazer defesas veementes ao SUS. É bom lembrar que até bem pouco tempo atrás o ex-ministro era um conhecido defensor dos planos de saúde e contrário às iniciativas de investimento na saúde pública, como a do programa “Mais Médicos”, que interiorizou o acesso dos serviços de saúde nas comunidades mais vulneráveis do país.
Médico e político do Mato Grosso do Sul, Mandetta incorporou, nessa crise da Covid-19, um espírito sanitarista (até então ausente), apresentando-se sempre, em suas coletivas diárias e entrevistas, paramentado com seu “colete do SUS”, vestindo, literalmente a “camisa” em defesa do sistema público de saúde, surpreendendo, inclusive, aos críticos. Ele acabou constituindo-se em um verdadeiro porta voz do SUS, da ciência e das medidas de isolamento social, preconizadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). O ministro demonstrava uma postura de liderança, bom senso, coerência científica e tinha muito carisma junto à opinião pública. No entanto, esse “ponto fora da curva” no governo de Bolsonaro, não perdurou.
Fazendo uma retrospectiva e comparando essa pandemia com outra, a que ficou popularmente conhecida como “gripe suína”, a Influenza A H1N1, que ocorreu em 2009, percebemos o quanto a crise da Covid-19 é grave e com proporções ainda maiores. Em ambas pandemias, os vírus passaram por uma mutação em animais e depois circularam entre humanos. No entanto, na época do H1N1 não houve o isolamento social no mundo inteiro, como agora. Conforme estudos científicos, as razões que justificariam essa medida inédita neste século se devem ao fato do coronavírus ser mais transmissível que o H1N1, ter uma letalidade maior e atingir mais os idosos.
Conforme dados citados na revista Minas Saúde, da SES-MG, de dezembro de 2009, naquele ano — época da pandemia — foram registrados 805 casos de Influenza A H1N1 e 117 óbitos no âmbito de Minas Gerais. De acordo com dados do Informe Epidemiológico da Secretaria, de 20 de abril, Minas Gerais já tem 1.189 casos confirmados da Covid-19 e 41 óbitos, até o momento.
Nessa semana, completando um mês que estamos vivendo em isolamento social, o ministro da saúde foi exonerado. Alguns estados, especialmente os da região norte e nordeste do país, já estão com seus sistemas de saúde saturados. O presidente do país participou de um ato público contra o isolamento social e a favor da intervenção militar no país, com diversas pessoas aglomeradas, em plena vigência do isolamento social, quando as previsões mais otimistas falam em isolamento até o final de maio.
É bom (e triste) lembrar que ainda não alcançamos o pico da curva de contaminação; o cenário ainda é nebuloso e não sabemos quando tudo voltará ao “normal” — se é que este normal algum dia existiu.
Vívian T.N. Campos, Doutoranda em Comunicação pelo PPGCOM/UFMG e jornalista pela UFMG