Análise | Diário da Quarentena Poder e Política

Coronavírus e política: testando os limites da fidelidade ao bolsonarismo

Desde 28 de fevereiro, com o anúncio do primeiro caso confirmado de coronavírus no Brasil, enfrentamos um período de grande incerteza, que, por sua vez, desencadeia reações extremas. Na análise, observamos o movimento de adesão ou não dos governantes brasileiros às recomendações de saúde da OMS, que, em um Brasil polarizado, dão a ver também seus alinhamentos políticos.

Foto: Agência Senado

Se antes parecia para alguns que era sensato se aliar a Bolsonaro, hoje, parece suicídio político. E, nessa semana que passou (22 a 29/03), vimos uma profusão de ministros, secretários, governadores e prefeitos que se opuseram à estratégia bolsonarista de priorizar a economia em vez da vida, decretando estado de calamidade pública e insistindo no isolamento social como medida essencial para o achatamento da curva de contágio do coronavírus.

Entre 22 e 29 de março, Bolsonaro perdeu apoio de figuras políticas que foram importantes para a sua eleição e que, até então, faziam parte da sua base, como os governadores Ronaldo Caiado (DEM-GO), João Dória (PSDB-SP) e Wilson Witzel (PSC-RJ). Além disso, os presidentes do Senado e da Câmara Federal (Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia) fizeram coro às duras críticas feitas ao presidente, criando — ainda não sabemos até quando — uma frente de resistência ao negacionismo e à inconsequência bolsonarista.

Em Minas Gerais, o embate entre o governador Romeu Zema (NOVO) e o prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil (PSD), que criticou o governador em uma live, demonstrou o alinhamento político de cada um. Enquanto Zema parece estar em cima do muro, por demorar a aderir às recomendações internacionais de segurança e enfrentamento da pandemia, Kalil agiu rapidamente, anunciando por conta própria os decretos que fecharam o comércio da capital e que garantiram condições mínimas de vida para a população mais vulnerável. Na troca de farpas, o prefeito alfinetou a inércia do governador: “Preciso de um governador de palavra.

No cenário nacional, destacam-se ações produtivas dos governadores da região nordestina. No meio do caos instalado e das declarações cada vez mais graves de Bolsonaro, as atitudes acertadas do chamado Consórcio Nordeste se sobressaem. A  divulgação de carta aberta em que o polo de poder progressista, construído pelos nove governadores do Nordeste, manifesta “profunda indignação” com a postura do governo federal ante a pandemia não foi a única atitude tomada.

Foto: Fernando Vivas / GOVBA

Além de decretarem medidas duras que visam sobretudo o isolamento social em seus estados, os gestores criaram, no último dia 30, um comitê científico formado por médicos, cientistas, físicos e pesquisadores, com o intuito de auxiliar na tomada de decisão sobre as ações de enfrentamento à pandemia. Dentre as propostas do comitê, estão reuniões periódicas com autoridades científicas brasileiras e de outros países atingidos há mais tempo pelo vírus, como Itália, Alemanha e China, para discutir estratégias de combate à disseminação da Covid-19.

O comitê ressaltou a importância de ações coletivas e coordenadas e propôs a criação de uma “sala de situação”. Trata-se de uma espécie de quartel general de combate ao coronavírus, na Bahia. O local será uma sede para discutir ações de cooperação nacional e internacional no enfrentamento da doença.

De fato, a crise revelada pelo novo coronavírus no Brasil fez emergir posicionamentos e atitudes de políticos brasileiros na disputa pela manutenção do poder, desconsiderando o bem maior que é a saúde do povo.  Todavia, ela também possibilitou uma reação pioneira por parte dos governadores do Nordeste do país. Trata-se de uma força transversal, que hoje representa um espaço de interação com o mundo da política, da ciência e com o povo de maneira geral.

Chloé Leurquin, jornalista, doutoranda em Comunicação Social / UFMG e pesquisadora do Gris
Mayra Bernardes
, mestre em Comunicação Social pelo PPGCOM/UFMG, pesquisadora do Gris e do CORAGEM




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