Depois de quase quatro meses, presidente anuncia que está com Covid-19, chamada por ele de “gripezinha”, e encontra ceticismo por parte dos veículos de comunicação. Sua fala exclusiva a três emissoras de TV não impede questionamentos e críticas devido à postura sem responsabilidade durante a pandemia.
No dia 07 de julho de 2020 o presidente da República, Jair Bolsonaro, anunciou estar infectado com o coronavírus, agente patógeno responsável pela Covid-19, em entrevista para três emissoras de televisão em transmissão ao vivo: TV Brasil, Record TV e CNN Brasil. Não se trata do primeiro líder mundial negacionista doente, mas a postura como cidadão e como gestor público ao longo da expansão da pandemia no país gerou suspeita até mesmo sobre a autenticidade de seu diagnóstico, mesmo que não seja confessada abertamente pelos meios.
Feito pelo próprio presidente, o anúncio não surpreende pelo descuido, mas pela falta de transparência, privilegiando duas emissoras de TV, além da emissora governamental. Sem acesso ao exame e à entrevista, os outros veículos promovem uma cobertura baseada na desconfiança, o que é perceptível até mesmo ao tomar em perspectiva os perfis das empresas midiáticas na rede social Twitter. Construções como “diz que”, ou “afirma que”, não atestam por completo a veracidade daquilo que Bolsonaro diz. Até a visão de que o presidente está doente ou não é posta em suspeita pelos veículos, já que alguns mencionam apenas que ele está com o vírus.
As ressalvas dos veículos não deixam de ter respaldo pela postura do presidente. O negacionismo de Bolsonaro é expresso nas atitudes dele como cidadão e como gestor público. Suas performances desde a primeira morte por Covid-19, registrada em 16 de março, repelindo isolamento social, sob a alegação de prejuízos à economia, promovendo medicações e recusando o uso da máscara, têm colaboração fundamental para as mortes e alto número de casos no Brasil. Até o anúncio do resultado positivo para Covid-19, o presidente adotou também a falta de transparência para lidar com a doença, depois de uma disputa judicial entre o presidente e o grupo Estado pelo acesso aos três exames anteriores que o presidente realizou e com resultado negativo.
Os veículos não podem ignorar o fato de Bolsonaro ter registrado estar com Covid-19, mas o fazem lançando desconfiança, por causa dos exames anteriores, e criticidade, a partir das vezes que o presidente adotou posturas não recomendáveis. Isso inclusive está presente na cobertura com a retomada de imagens anteriores de Bolsonaro durante a pandemia, seja sem máscara ou fazendo uso errado dela. Esta delimitação de posições é fundamental para os veículos lançarem questionamentos sobre como o governo vai lidar com a Covid-19, que atinge até mesmo o presidente.
Ao tratar com reservas a doença em Bolsonaro, os veículos buscam se resguardar para não virarem palanques para curas milagrosas, muito menos para que a Covid-19 no presidente seja uma distração em meio a uma cobertura que, no dia do anúncio, alcançou 1,6 milhão de infectados e 66 mil mortos. Pouco mais de um mês depois, marcas ainda mais expressivas seriam alcançadas, como a de 3 milhões de casos e 100 mil mortos.
Carlos Rocha, professor do Departamento de Comunicação Social da UFMT, Mestre em Comunicação pela UFPI e jornalista