Análise | Celebridades e Figuras Públicas

Rei do camarote e do revanchismo nosso de cada dia

O rei do camarote hoje ocupa o trono que já foi do Nissim Ourfali e da Luíza no Canadá. Mas na instantaneidade da rede, o homem da Ferrari vermelha e dos champanhes faiscantes já está virando notícia velha. Aliás, em termos jornalísticos, algum dia foi notícia?

Tudo começou com a matéria de capa da revista Veja SP sobre gastos exorbitantes de milionários na noite de São Paulo. O vídeo “Os 10 Mandamentos do Rei do Camarote” não apenas se espalhou rapidamente nas redes sociais, como deu aos excessos uma personificação: Alexander de Almeida. O tom caricatural com que ele aparece (especialmente no vídeo) coloca em dúvida os critérios jornalísticos envolvidos. Há mesmo informação relevante a ser compartilhada? A revista não estava oferecendo o boi – carne Kobe, claro – para o abate?

O que se viu a partir daí foram diversas piadas e até paródia na televisão. Mas dois dias após a matéria da Veja SP – e de intensa malhação pública -, Alexander já não parecia mais tão engraçado: era idiota demais, vaidoso demais, patético. Não podia existir alguém assim.

Quando o acontecimento é maior do que nossa capacidade de explicação, torna-se insuportável. Depois de toda a reação inicial, não veio o esclarecimento: como isso é possível? O inquérito não apresentou respostas, a intriga não foi construída. O próprio Alexander deu indícios de que tudo não passaria de uma brincadeira. O rei do camarote ser um personagem ficcional é confortável. Todo aquele exibicionismo deixa de existir. O desperdício desaparece. Todos que fizeram chacota estão automaticamente perdoados. Mas vieram as explicações, e a própria Veja se viu obrigada a confirmar a veracidade de sua história.

Fictício ou não, Alexander de Almeida provocou um acontecimento real. Com tal poder de impacto que sua compreensão é tão difícil que é preferível que tudo seja falso. Mas o que ele nos revelou, o que este fenômeno deu a ver? Para além de uma produtiva discussão a respeito dos limites entre jornalismo e entretenimento, o acontecimento jogou luz em um certo revanchismo social. Veja SP escreve diretamente para um público classe-média paulistano que quer ascender socialmente. A matéria foi a oportunidade perfeita para ridicularizar os ricos, rir dos que se acham superiores. Não, Alexander não pode existir. Não é nenhum galã, não é jogador de futebol, não aparenta nenhum talento especial. Como alguém como ele, uma pessoa comum, pode possuir tudo aquilo? Quantos mais bonitos, mais inteligentes, mais esforçados não têm nada daquilo? A figura patética vista no vídeo não combina com a bonança descrita. Pelas redes sociais espalham-se comentários sobre sua feiura. A beleza então justificaria todos os excessos cometidos? Ao invés de revelar uma discussão sobre um país de desigualdades, a complexidade latente no acontecimento parece se esvaziar no ataque a características físicas, à forma de falar. Usa-se a imagem para se criticar aquele que vive de imagem.  Os gastos suntuosos podem até ser permitidos, mas nunca por uma figura tão ordinária.

Sim, Alexander de Almeida não pode existir. Sua presença revela demais sobre nós mesmos.

Foto: Reprodução/Veja SP

Renné Oliveira França
Doutor em Comunicação Social pela UFMG 
Pesquisador do Gris/UFMG



Comentários

  1. Eliziane Lara disse:

    Alguns dias depois da publicação da reportagem de Veja (o vídeo já ultrapassou a casa dos 5 milhões de acessos) e a majestade do rei do camarote está mais do que em xeque. O fato é que Alexander não chegou mesmo a “convencer” nesse papel, a figura um tanto boba que ele encarna não é compatível com a bonança em que vive. Fosse um sujeito mais descolado e eu arriscaria a dizer que não alcançaria tanta repercussão. É preciso considerar que Veja desempenhou um papel crucial na construção desse quadro de incompatibilidades. A trilha sonora, as luzes que rodeiam cada “mandamento” e a pausa dramática no momento da confissão sobre a transa no banheiro da balada são apenas algumas das estratégias que colocam Alexander mais perto do bobo da corte do que exatamente do trono do rei .

    Ao contrário do que se poderia esperar, a imprensa viu mais notícia no caso. Um repórter levantou a ficha policial de Alexander e encontrou agressões contra a filha e a mulher, em 2008 e 2011, respectivamente. Ele também possui dívidas de um pouco mais de 55 mil reais relativas ao IPTU – valor bem próximo do que ele seria capaz de gastar numa noite. Está revelada a “face real do personagem”. Agora sim, a figura patética encontrou elementos para se encaixar: dívidas e agressões contra mulheres. Seria esse o sentido possível? O que nos agrada e nos faz sentir mais confortáveis com essa história? Como sinalizou Renné, Alexander continua a revelar muito sobre nós mesmos.

  2. Ricardo Duarte disse:

    Renné, aproveitando seu outro artigo, a respeito da insinuação do incesto na novela das nove, este caso agora me parece semelhante. A presença do ensaio sobre um incesto em Amor a Vida e a figura do Alexander não podem existir pois são aspectos esvaziados de sentido. Os sentidos estão em outro patamar, em outra narrativa, construído nas redes sociais: enquanto polêmica ou piada. Ambos revelam sobre um padrão de comportamento de sujeitos na relação com os assuntos da mídia. Por que alguns acontecimentos e não-acontecimentos se revelam tão interessantes para se comentar do que outros? Alexander foi um boi para o abate; o ensaio sobre o incesto foi um “vai que cola?”. A primeira, estratégia comum em algumas Redações; a segunda, comum entre os autores de novelas…

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