Prisão e soltura de parlamentares cariocas e de outros estados revelam um país às voltas com uma classe política cada vez mais encurralada, porém disposta a manter privilégios a qualquer custo.
Há um ano, analisamos neste Grislab o quase afastamento de Renan Calheiros da presidência do senado e o desenrolar da votação das “desmedidas” contra a corrupção. A lei era desconsiderada tanto pelos políticos quanto por aqueles dispostos a usar provas ilícitas “obtidas com boa fé” para investigar corruptos. Episódios recentes no país, como as reintegrações de suspeitos de crimes em atividades legislativas, demonstram a mesma desconsideração com a legalidade.
No dia 17 de outubro, Aécio Neves (PSDB) foi o primeiro a ser poupado pelo Senado (44 votos a 26) de cumprir medidas cautelares – com as bênçãos de uma maioria apertada do mesmo STF cuja 1ª turma havia sancionado as medidas. No Tribunal Federal, o voto de Minerva coube à ministra Carmen Lucia, que em 2006 tinha interpretado de forma diferente a lei que embasou sua decisão. Ao deixar com os colegas do senador o destino do tucano, usando os termos de um jurista, “o Supremo deu a senha” para casas legislativas Brasil a fora.
Em Mato Grosso, uma semana depois, 19 deputados estaduais presentes votaram a favor da liberação do colega Gilmar Fabris (PSD). Ele deixou a prisão após 40 dias recluso: estava preso acusado de obstrução à Justiça, durante a Operação Malebolge, por decisão do STF. Fabris aparece em vídeo reclamando de suposta propina.
Também em 24 de outubro, por 19 votos a 1, a ALRN decidiu não acatar o afastamento do deputado estadual Ricardo Motta (PSB), que foi determinado por desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, em junho. Motta foi afastado em meio a uma investigação de esquema de desvio de dinheiro público que teria causado prejuízo de R$ 19 milhões ao Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (Idema). Apesar de continuar recebendo salário de deputado, ele não podia entrar na ALRN, nem exercer seu mandato.
O caso com maior repercussão aconteceu no Rio de Janeiro. Jorge Picciani, presidente da Alerj, Paulo Melo e Edson Albertassi, todos do PMDB, foram presos acusados de desviar verbas. No dia 17 de novembro, por 39 a 19 (com uma abstenção), a assembleia estadual soltou o presidente da Casa e os outros dois deputados estaduais, tendo estes passado menos de 24 horas presos. Cinco dias depois, o Tribunal Regional Federal da 2° Região (TRF-2) determinou mais uma vez as prisões, afirmando que a soltura dos deputados sem qualquer comunicação à Justiça havia sido ilegal. “Parecia um resgate de bandidos”, disse um desembargador que analisou o caso. A procuradora-geral da república, Raquel Dodge, também foi dura: o Rio vive “clima de terra sem lei”.
Acuada como nunca antes, a classe política brasileira parece disposta a se blindar por todos os meios disponíveis: imorais e ilegais, cooptando ou enfrentando o poder judiciário, passando por cima de velhas e recentes diferenças políticas (vide o “perdão aos golpistas” e a possível extensão do foro privilegiado a ex-presidentes). Quando leis são criadas com o objetivo de proteger apenas os poderosos, interpretadas de maneiras muito diferentes em casos similares, cumpridas morosamente ou ao sabor da conveniência gerando insegurança jurídica, então as leis perdem a sua razão de ser. Não é só o Rio: o Brasil todo vive um clima de terra sem lei.
Gáudio Bassoli
Mestre pelo PPGCOM-UFMG