Análise | Poder e Política

As (des)medidas “contra a corrupção”

A análise discute o cenário de insegurança institucional vivido no Brasil, com políticos se blindando contra o combate à corrupção e a “caçada aos corruptos” tomando contornos autoritários.

Imagem: O Globo

Imagem: O Globo

Na noite do último 30 de novembro, enquanto o Brasil ainda estava sensibilizado e conectado às informações sobre a tragédia envolvendo a delegação da Chapecoense – analisada aqui no GrisLab – , a Câmara dos Deputados votou e aprovou um  projeto de lei com medidas contra a corrupção (PL 4850/2016).

Dentre as camadas de sentidos que envolvem a aprovação, vale lembrar que são recorrentes as manobras ou gestão do tempo para tirar ou colocar em votação temas coletivos relevantes, sem o devido debate (por exemplo, em meio a uma tragédia que comove o país). Se lembrarmos que 58% dos integrantes da atual legislatura da Câmara Federal já foram condenados ou respondem a processos na justiça, muitos deles por práticas irregulares envolvendo recursos públicos, pode-se imaginar que não é grande ali o interesse em criar efetivos mecanismos de combate à corrupção. Se lembrarmos, também, que, em janeiro de 2015, a presidenta Dilma Rousseff enviou à Câmara Federal um conjunto de medidas anticorrupção, conjunto não analisado e nem votado pelos parlamentares, cabe indagar: por que agora?

Aparentemente, a votação seria uma resposta à “opinião pública”, sensibilizada pela cruzada moralista (midiática, política e jurídica) em torno do tema: a grande adesão parlamentar ao texto final do “pacote anticorrupção” (450 votos a favor, 1 contra e 3 abstenções) sinaliza esse aparente fácil “consenso” sobre o combate às práticas ilegais e antiéticas (quem se declararia “a favor da corrupção?”).  Mas, claro, a aprovação é antes de tudo uma resposta às investidas do Ministério Público Federal (e do Judiciário, de forma mais ampla) sobre o campo da política institucional, em especial por parte da força tarefa da Lava Jato.

Por um lado, o Congresso procura demarcar o papel do Legislativo na concepção e aprovação das leis. O “pacote anticorrupção” analisado e “rasgado” (nos termos do procurador Deltan Dallagnol) na votação de 30 de novembro era, em sua origem, as “10 medidas contra a corrupção” – nome da campanha lançada pelos procuradores da Lava Jato, em março de 2015 (dois meses depois da proposta da presidenta Dilma que, segundo o mesmo Dallagnol, era uma proposta melhor que a tramita agora no Senado). As 10 medidas, que ganharam posteriormente status de “Projeto de Iniciativa Popular” após coleta de 2,3 milhões de assinaturas, foram duramente criticadas por diferentes atores e instituições, não apenas do campo da política, por incluir mecanismos como o uso de provas ilícitas em processo penal e a dificuldade ao direito de defesa. Agora, caso a proposta da Câmara seja sancionada, a força tarefa da Lava Jato ameaça renunciar.

Por outro lado, a votação pode ser lida também como uma forma através da qual vários parlamentares implicados em denúncias da Lava Jato continuam tentando “estancar a sangria”. Não é à toa, neste sentido, que o pacote aprovado foi definido por alguns atores como “vingança” dos parlamentares contra a força tarefa da operação. No Congresso, Renan Calheiros foi o jogador que mais deu as cartas contra as 10 medidas. No dia seguinte à aprovação na Câmara do PL4850, tentou votar com urgência o projeto no Senado (articulado ao senador Aécio Neves?), mas acabou isolado diante da pressão da opinião pública. Colocou em pauta o ponto da punição de juízes e integrantes do Ministério Público por abuso de autoridade (instauração de procedimentos sem indícios mínimos, expressão de opinião nas mídias sobre processos em julgamento, etc), mas recuou depois de ser poupado de um afastamento da presidência do Senado pelo plenário dos ministros do Supremo.

Citado nas últimas delações da Odebrecht (com o apelido “Justiça”), alvo dos protestos de 04/12, réu do STF, e agora denunciado na Lava Jato, Renan parece ter ganhado sobrevida no cargo estratégico para não complicar a aprovação da PEC55/241. O parlamentar desempenha às claras um papel que Temer tenta mascarar: o da linha de frente de parlamentares corporativistas, que não têm muito interesse em enfrentar as práticas que garantem a chegada e a manutenção no poder de vários deles.

O Brasil parece entrar em um caminho onde convivem (às vezes harmoniosamente, às vezes conflituosamente) a “ditadura da corrupção”, onde se desobedece a ordens judiciais e fica-se impune, e a “ditadura do judiciário”, onde juízes e procuradores fazem política e “justiça” autoritária. O acontecimento revela o quanto a sociedade – e suas instituições – (des)tratam  um problema público (a corrupção) que está no centro da indústria de produção de escândalos políticos.  Revela também a confusão geral dos papéis institucionais atualmente no país.

 

Gáudio Bassoli
Mestrando do PPGCOM-UFMG
Jornalista e membro do Gris

 

Terezinha Silva
Professora colaboradora do Departamento de Comunicação Social da UFMG
Pesquisadora do Gris

 

Esta análise faz parte do cronograma oficial de análises para o mês de dezembro, definido em reunião do Grislab.



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