Análise | Esportes

A simulação de NeyMarketing

As dores de Neymar, o jogador desde muito cedo controverso e com salários astronômicos, é representado num palco inusitado: uma peça convocando para a compra de barbeadores.

Imagem: Reprodução.

O vídeo comercial da Gilette protagonizado pelo jogador Neymar repercutiu. Sendo generoso, nas palavras do jornalista Xico Sá, é “um texto competente de autoajuda”. Com um ponto fraco grave: o sofrimento de Neymar, que gera incômodo ao ser representado como algo grandioso e épico.

Não é de hoje que Neymar “sofre”: durante a Copa, enquanto o técnico Tite falava sobre como foi difícil para a estrela superar a última lesão, o jornalista Mauro Cezar comentava sobre como as redes sociais mostravam uma recuperação muito tranquila (ainda que, ponderemos, o Instagram talvez seja o maior expositor contemporâneo de falsa felicidade). O coordenador de futebol da seleção brasileira, Edu Gaspar, chegou a dizer, após a eliminação, que é “não é fácil ser Neymar” – sendo respondido em seguida por manifestações contrárias (“não é fácil ser moradora do Brasil, do Rio de Janeiro, do Complexo do Alemão”). O próprio craque assume para si, na publicidade e em entrevistas, essa posição de vítima – das faltas dos adversários, da pressão – ao mesmo tempo em que se faz passar como único responsável pela eliminação do time do qual fez parte (o que, convenhamos, subestima o papel dos outros e escanteia o espírito de equipe).

Aqui, Neymar nos parece um produto típico de sua época, um tempo tão individualista que nos torna incapazes do menor gesto de empatia com o sofrimento de alguns (tachados rapidamente de “vitimistas”) e nos faz pleitear assistência enquanto supostos injustiçados. Dimensionar o sofrimento  é sempre problemático, mas tematizar um “grande sofrimento” a partir do próprio umbigo privilegiado é tragicômico: “o sofrimento de Neymar” não é inexistente, mas chega a ser engraçado falar de sofrimentos (normais dentro e fora de campo) de um multimilionário, como se fosse a maior ou mais urgente dor e injustiça. A propaganda fez o que Neymar faz em campo: exagerou. É surreal, no Brasil das desigualdades, não evitar o drama da superação.

Há alguns meses, quando a vereadora Marielle Franco foi assassinada, pensávamos sobre o lugar que o pé direito de Neymar deveria ocupar na cena pública (conforme análise do GrisLab). O acontecimento mais recente demonstra como a cena pública é ocupada pelo imperativo de aparecer. E de vender. De novo citando Xico Sá, Neymar “não deu a cara a tapa, deu a cara a uma lâmina de barbear”.

O humorístico Falha de Cobertura observou como os treinos e jogos atrapalham a gravação de comerciais de Neymar, e como a vida pessoal do jogador se tornou enredo das propagandas: encontro com o filho no comercial do McDonalds, namoro com a atriz Bruna Marquezine no comercial da C&A… Até causa vira marketing (ruim): “somos todos macacos”.

Sendo assim, a última campanha publicitária fica parecendo só mais um episódio do “Show de Truman” brasileiro, alguém que foi preparado desde muito jovem para (se) vender, por um pai empresário cuja ganância faz lembrar outros detestáveis pais de celebridade: o de Michael Jackson e o de Amy Winehouse. Não vimos um “novo homem”, e sim a criança mimada de sempre. Atualizando a constatação do técnico René Simões, que viralizou durante a Copa, “criamos um monstro”. Apenas de barba feita.

Gáudio Bassoli
Mestre em Comunicação Social pela UFMG e Apoio Técnico do GrisLab



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