Análise | Esportes Festividades e megaeventos

Antes do acontecimento: às vésperas da Copa

Diário da Copa – Diante de obras atrasadas nos estádios e aeroportos, das greves de muitas categorias, da possibilidade de que grandes manifestações pudessem voltar às ruas, os brasileiros estavam apreensivos antes da Copa. Como o Brasil seria visto pelo resto do mundo? Na análise a seguir, a pesquisadora Vera França trata das sensações que ganharam força às vésperas do Mundial.

Uma das características de um acontecimento é sua imprevisibilidade: ele irrompe onde menos se espera, quebra a normalidade do cotidiano e desorganiza a sequência natural das coisas. No entanto, sabemos que existem acontecimentos esperados, e que nem por isto perdem sua natureza acontecimental: ainda que programado, o que caracteriza um acontecimento é que, ao acontecer, ele o faz fora de nosso controle, abrindo possibilidades impensadas.

Assim é a Copa. Porém não se trata aqui de falar da imprevisibilidade da Copa no seu desenrolar – nem de lembrar que um acontecimento provoca ecos para muito além de seu encerramento formal. O foco, neste comentário, se dirige para o “antes” do acontecimento, e para o sentimento que veio provocando nos últimos meses a mais do que esperada Copa de 2014 – a Copa das Copas.

Há oito anos atrás, quando “ganhamos” a realização da Copa do Mundo de Futebol, o sentimento foi de júbilo e comemoração. Os anos se passaram, as obras, atrasos, superfaturamentos, a ingerência e prepotência da Fifa vieram alterando as atitudes e estado de humor de grande parte da sociedade brasileira. As jornadas de junho de 2013, e as manifestações pontuais que vieram acontecendo desde então alteraram completamente o cenário e o script da nossa Copa. Como resultado, assistimos, nos meses que a antecederam, a uma dinâmica invertida: o acontecimento começando a acontecer (e a afetar) antes de sua realização.

Evidentemente, todo evento programado exige investimentos e gera expectativas – seja para sua realização, seja para contestá-lo. Não é deste planejamento prévio que estamos falando, e nem deste público mais diretamente envolvido em promover ou combater a Copa, mas sim da reação prévia dos indivíduos comuns àquilo que poderia acontecer. A chegada dos estrangeiros, a realização dos jogos começou a ser “sentida” por nós, brasileiro/as, com antecipação. E sentida sob a forma de apreensão. O (suposto) orgulho por sediar a Copa, e o entusiasmo ufanista com nossa seleção foram substituídos (temporariamente?) pelo temor.

Não apenas em comentários (críticos) postados nas redes sociais, mas sobretudo na conversa miúda do dia-a-dia, o tom era de contenção e receio: “o que será que vai acontecer?” As tradicionais opiniões sobre a escalação da seleção e o desempenho dos jogadores foram substituídas pelo ceticismo: “ah, esta Copa… Sei não!”

Essa postura não chega a causar estranhamento, e pode ser explicada por vários aspectos: a avalanche de coberturas críticas da mídia quanto ao andamento dos preparativos para a Copa, em sintonia com o coro de oposição ao Governo no contexto do ano eleitoral; um sentimento de impotência do brasileiro (o chamado “complexo de vira-latas”, identificado no comentário de Ronaldo Fenômeno); a postura anti-Copa de alguns, a apreensão das manifestações por parte de outros. Porém se colocarmos em dúvida o poder da mídia para construir, sozinha, nossa leitura da realidade; se rejeitarmos a tese do complexo de menos-valia, e percebermos as manifestações mais como mobilizadoras que desmobilizadoras, vamos nos deparar com uma lacuna explicativa para essa nova postura, e com a necessidade de problematizá-la.

O início dos jogos (e a eventual vitória da seleção brasileira) pode(m) resgatar o entusiasmo com a Copa e reafirmar nosso amor pelo futebol. Mas a reticência sentida por antecipação talvez traga indícios que nos levem a pensar que somos mais que “o país do futebol”. Quem sabe, um país que começa a se ver diferentemente. Tanto as jornadas de junho quanto a realização da Copa trouxeram e estão trazendo desdobramentos e horizontes imprevistos – e ainda não totalmente claros para nós.

Foto: Obras da Arena da Baixada situada em Curitiba (PR). Divulgação.

Vera França
Professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG e coordenadora do Gris/UFMG



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