Análise | Morte

O silêncio e a voz de Boechat

A morte dramática do jornalista Ricardo Boechat soma-se às tragédias no início de ano, comovendo o país.

Jornalista Ricardo Boechat. FOTO ANDRE LESSA/ISTOE.

O helicóptero caiu em São Paulo na segunda-feira, dia 11 de fevereiro de 2019.  O piloto (agora lembrado pelas apresentações como Papai Noel nos finais de ano) Ronaldo Quattrucci e o passageiro Ricardo Boechat morreram.

Mercedez Carrascal disse que o filho jornalista ficaria “assombrado com tanto carinho”. Entre outros, três motivos explicam essa comoção causada pela morte do âncora. Primeiro, o aspecto dramático, inesperado da morte. Segundo, o contexto trágico dos últimos dias no país. Nas palavras do padre Fábio de Melo, “num momento em que nos sentimos tão pobres de referências, perdê-lo nos faz querer chorar por todos os motivos dos últimos dias. Um choro só. Pela lama, pelos desabrigados, pelos meninos. Tudo de uma só vez.”

(Peço licença ao leitor e leitora para um desabafo pessoal: não fui o único que procurou não se levar pela tristeza inevitável das sucessivas tragédias, cujas repercussões serão analisadas neste GrisLab, e que não pôde “segurar as pontas” e as lágrimas com a morte do veterano colega. Por quê?)

Chegamos ao terceiro aspecto singular do acontecimento: não ignorando que ele foi muitas vezes superficial, tantas outras infeliz, Boechat era o melhor em atividade no quesito opinião. (Eu brincava com um amigo progressista que ele era “nossa Raquel Sherazade”). Quando decepcionava, só o fazia porque não se esperava dele opinião insensível – como quando, por exemplo, relativizou a dimensão do assassinato do mestre Moa do Katendê.

A voz indignada na rádio e na TV conquistou um público desacostumado com um jornalista que se envolvesse realmente com a notícia, não de forma calculada para causar e vender emoções, mas porque soava naturalmente como gente e não como jornalista frio, distante, “imparcial”. O assumido bom humor nunca impediu contundentes e pertinentes críticas, verdadeiros legados ao bom exercício do jornalismo e da cidadania.  Uma coletânea de frases que, dentro de seus contextos, são grandes momentos do (maltratado) direito de opinar:

– “Vandalismo é o cassete!”, apoiando protestos contra autoridades políticas.

– “Manda ele botar um anúncio!”, dita ao colega Milton Neves, que fazia propaganda para a iniciativa de um empresário como se fosse notícia.

– “O senhor disse que o Estado só cumpriu uma decisão da Justiça. Pois bem, governador: não cumpra!”, dirigindo-se ao então governador paulista, Geraldo Alckmin, quando ordenou reintegração de posse do terreno de Pinheirinho.

– “A imprensa gosta de falar ‘os invasores’, como se fossem alienígenas”, na mesma ocasião.

– “Você é um idiota, um paspalhão. Tomador de dinheiro de fiel, explorador da fé alheia”, em resposta a tuíte do pastor Silas Malafaia, que polemizava comentário do jornalista sobre pedrada em Kaylane, de 11 anos.

– “Torturadores são covardes, são assassinos e não merecem em momento algum serem citados como exemplo”, criticando homenagem a Brilhante Ustra.

O silêncio de Boechat dói. A voz dele não foi esquecida e, em dias tão turbulentos, não pode ser esquecida.

Gáudio Bassoli

Mestre em Comunicação Social pela UFMG e Apoio Técnico do GrisLab



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