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Celebridades reorientam sua trajetória: a politização de Felipe Neto

Com pouco mais de uma década de atuação no YouTube, Felipe Neto já alterou o rumo dos conteúdos que produz para a internet algumas vezes. Mas a última mudança é especialmente peculiar: Felipe abandona a imagem de “polêmico a qualquer custo” e mergulha no centro do debate político brasileiro.

Foto: Reprodução / Exame

O cenário contemporâneo abriga celebridades de vários naipes e diferentes inserções: esportivas, artísticas, políticas, religiosas, midiáticas. O séc. XXI inaugurou um novo e frutífero espaço de celebrização, bem como um novo perfil, que são as redes sociais e as celebridades digitais — indivíduos comuns que alcançam a fama comentando seu cotidiano, dando palpites em um ou outro tema, criticando isto ou aquilo, fazendo humor. São os chamados digital influencer, ou influenciadores digitais.

Felipe Neto é uma dessas celebridades — dono do terceiro maior canal do Youtube do Brasil (atrás apenas do produtor de vídeos Kondzilla e do comediante Whindersson Nunes), com 38,5 milhões de inscritos e mais de 10 bilhões de visualizações acumuladas.

Nascido e criado no Buraco do Padre, bairro do Engenho Novo, Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, começou a trabalhar aos treze anos em uma loja que vendia produtos para camelôs e iniciou sua carreira nas redes aos 22. Em 2010, criou seu canal no YouTube e começou a postar vídeos voltados para jovens e adolescentes comentando — geralmente com um tom muito crítico ou debochado — atitudes das celebridades, atividades do cotidiano e filmes. O canal cresceu rapidamente e, com a notoriedade, Felipe foi convidado para diversas campanhas publicitárias. Em dezembro do mesmo ano, ele estreou na TV com o programa Será Que Faz Sentido?, do canal Multishow.

Em 2016, Felipe alterou o rumo dos conteúdos que publicava em seu canal. Após se mudar com seu irmão — o também youtuber Luccas Neto — para uma mansão avaliada em 6,5 milhões de reais, começou a produzir vídeos sobre temáticas infantis, como jogos de videogame e brincadeiras, conteúdos que já eram explorados por Luccas. Além de investir na própria carreira, Felipe criou uma empresa para gerenciar o perfil de outras celebridades, como o canal da jogadora de futebol Marta. De acordo com o SocialBlade (um site de rastreamento de estatísticas e análises de mídias sociais), Felipe Neto fatura entre 760 mil e 12 milhões por ano somente com a monetização dos vídeos do seu canal no YouTube.

Por muito tempo, Felipe construiu sua imagem pública em cima da lógica de falar “a verdade” a qualquer custo (sua verdade, bem entendido), criar embates. Tal posicionamento passava por se envolver em polêmicas por falas machistas, homofóbicas e outros discursos de ódio proferidos e incentivados pelo youtube, além de críticas a Lula e ao PT. De uns tempos pra cá, Felipe mudou mais uma vez a grade de conteúdos que produz: passou a se posicionar contra o atual governo e o bolsonarismo, cobrar ativamente que outras webcelebridades façam o mesmo e se envolver em pautas de lutas identitárias diversas.

Vários exemplos ilustram sua nova trajetória de engajamento. Em setembro de 2019, Felipe Neto comprou e doou 14 mil exemplares do livro com temática LGBT, “Vingadores, a cruzada das crianças”, em resposta à censura do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, durante a Bienal do Livro do Rio de Janeiro. Em maio de 2020, o youtuber divulgou um vídeo-carta aberta pedindo que influenciadores e artistas do Brasil se levantem contra o fascismo de Jair Bolsonaro e seus seguidores. Em junho, Felipe Neto anunciou apoio ao humorista Yuri Marçal, que estava sendo ameaçado de processo por difamação por parte da influenciadora Luísa Nunes, que foi exposta por Yuri após uma situação de racismo. Felipe Neto disse a Yuri em um tweet: “Eu te asseguro os melhores advogados do Brasil. Deixa Comigo.”

Recentemente, Felipe Neto participou do programa Roda Viva — tradicional programa de entrevistas da TV Cultura de São Paulo, criado em 1986. Toda segunda-feira à noite, Roda Viva convida figuras de destaque na vida pública do país — políticos, intelectuais, artistas. A presença de Felipe Neto foi considerada um marco, inaugurando um novo tipo de perfil; afinal, o influenciador — para além de seus milhões de seguidores – não exerce (ainda?) nenhum papel ou representa qualquer contribuição especial na vida do país. 

Nessa entrevista, Felipe aproveitou a oportunidade para fazer uma mea-culpa por ter sido a favor do impeachment de Dilma, que agora identifica como golpe; disse que não vê problema em reconhecer erros e que se coloca, nos últimos anos, tentando corrigir seus equívocos e buscando afastar a imagem negativa que carregava antes. Como influenciador, reconhece sua responsabilidade e assume um lugar que, segundo ele, não é político, mas de defesa da liberdade e de luta contra o fascismo. Em outra live, com o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL), que também é originário da zona norte do Rio, compartilha o compromisso e a identidade com os pobres e vulneráveis.

Essa politização da trajetória de Felipe Neto não é um caso único no cenário das celebridades e, inclusive, das novas celebridades midiáticas (veja análise do GrisLab sobre Anitta). Porém a reorientação de sua trajetória, sem dúvida, coloca algumas indagações. Que motivações estariam impulsionando-a? Podemos suspeitar de jogadas mercadológicas, de ocupação de nichos? Não podemos afirmar com certeza o contrário, porém apostamos antes num encontro com a realidade. Branco, jovem, bonito, rico, ele se dá conta de seu lugar de privilégio — e da distância que agora o separa de seu lugar de origem. Face a uma pergunta, no Roda Viva, ele se coloca absolutamente contra a tese da meritocracia: seu caso não é exemplar, e a melhor negação da meritocracia é o destino diferente tomado por todos os demais jovens do bairro onde ele viveu.

Vera França, professora titular de Comunicação Social da UFMG e coordenadora do GrisLab
Barbara Lima, mestranda em Comunicação Social pela UFMG e pesquisadora do Gris



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