Análise | Internacional Questões raciais

Charlottesville e a intolerância: emblema da crise das democracias contemporâneas

A análise utiliza um acontecimento, a manifestação em Charlottesville nos EUA, para refletir sobre alguns valores da sociedade que parecem ganhar fôlego atualmente.

Foto: Reuters

Um mês após as manifestações em 12 e 13 de agosto em Charlottesville, Virgínia (EUA), muito já foi dito sobre o acontecimento. O debate sobre liberdade de expressão x discurso de ódio, por exemplo, tomou as redes sociais. O paradoxo da intolerância ganhou charge e programa explicativo; vaquinhas e financiamentos coletivos foram criados para ajudar a população da cidade; celebridades se posicionaram e outros governantes e organizações se manifestaram.

O que deu origem ao caos foi uma passeata intitulada Unite the Right (Unir a direita), contra a retirada da estátua do general Robert E. Lee, que contou com apoiadores da Ku Klux Klan e membros da chamada “alt-right” ou “direita alternativa”. Houve outra manifestação em oposição à primeira, formada por ativistas e militantes do Black Lives Matter, liberais e pessoas da comunidade, contrários ao nazismo, ao racismo e ao conservadorismo.

O ataque de um neonazista que jogou o carro contra esses últimos manifestantes, matou uma pessoa e feriu outras tantas, escancarou o que já estava latente na primeira passeata: a violência e a intolerância direcionadas ao outro (seja negro, LGBT, latino).

Em outras análises do Grislab sobre os EUA e Trump, abordamos o crescimento dos movimentos conservadores e as consequências perigosas para minorias. O que aconteceu em Charlottesville acende mais uma luz vermelha para o mundo: não só o neo-nazismo e a KKK estão ativos como operantes e organizados. Vimos armamento superior ao do próprio exército, ao lado de cartazes apoiando o presidente e discursos violentos.

A reação de Trump, além de demorada, foi infeliz ao atribuir responsabilidade a todos os grupos presentes e não rechaçar (nem ao menos citar) os movimentos neonazistas e racistas1. Os integrantes desses grupos se sentem apoiados pela figura do presidente2 e compelidos a buscar a promessa de campanha de Trump: tornar a América boa novamente. E “boa”, nesse caso, significa nada mais que homogênea, branca e racista.

Há um sinal de alerta no mundo: as democracias contemporâneas têm enfrentado movimentos cada vez mais fortes que vão na contramão do aperfeiçoamento democrático. Vozes com discursos anti-humanistas, anti-científicos e intolerantes têm ampliado expressivamente sua capacidade de influenciar as instituições políticas. Dentre os perigos que esse cenário coloca, destaca-se a legitimação social cada vez mais ampla do discurso de ódio e intolerância que tem saído das redes sociais e ganhado parlamentos e governos. E, assim, corremos o risco de perder consensos civilizatórios mínimos rumo à ignorância. Os Estados Unidos, a nação mais poderosa do mundo, tornou-se o exemplo vivo: inflados pelo próprio presidente3, cidadãos se acham no direito de exterminar aqueles que consideram párias da nação.

1 Trump revives criticism of ‘both sides’ in Charlottesville – The Guardian

2 El auge de la ultraderecha le estalla a Donald Trump – El País

3 David Duke, exlíder del Ku Klux Klan: “Trump nos ha empoderado” – El País

Laura Lima
Mestranda do PPGCOM-UFMG

Frances Vaz
Mestre em Comunicação pelo PPGCOM-UFMG



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