Análise | Diário da Quarentena Mídia e tecnologia Poder e Política

Combate às fake news: o bloqueio judicial de perfis e a atuação da sociedade

Os recentes bloqueios de perfis de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro determinados pela justiça e a responsabilização das plataformas digitais pelo atual cenário da comunicação digital compõem a análise sobre iniciativas públicas e privadas para o combate à disseminação de informações falsas e de discursos de ódio que têm ameaçado as democracias contemporâneas.

Charge: Amarildo

As manifestações de apoio ao presidente Jair Bolsonaro têm apresentado, pelo menos, um traço em comum: em todas elas, faixas e cartazes conclamam o fechamento do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e uma “intervenção militar constitucional com Bolsonaro no Poder”. Os atos antidemocráticos, como ficaram conhecidas essas manifestações, passaram a ser investigados no âmbito do inquérito 4828, instalado em maio de 2020 e coordenado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, também relator do inquérito 4171, o chamado “inquérito das fake news” e que também já foram objeto de análise do Grislab. Uma das medidas adotadas por Alexandre de Moraes no âmbito do inquérito tem mobilizado as redes bolsonaristas a acusar o STF de censura: recentemente, o ministro determinou ao Twitter e ao Facebook o bloqueio mundial de mais de 30 contas de usuários alvos das investigações.

Verifica-se a intensificação de cobranças para que as plataformas digitais atuem concretamente no intuito de coibir a propagação de notícias falsas e de discursos de ódio. Recentemente, grandes empresas propuseram boicotes ao Facebook, cancelando seus anúncios na plataforma como forma de pressioná-la a adotar práticas concretas contra essas práticas. Além disso, iniciativas como o perfil Sleeping Giant Brasil  passaram a interpelar empresas cujos anúncios sejam veiculados em plataformas conhecidas por disseminar informações falsas. Como resultado das crescentes pressões, o Twitter, por exemplo, decidiu identificar as mensagens do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que possuem conteúdo mentiroso e violento. E o presidente brasileiro já coleciona postagens apagadas pelo Twitter, Instagram e Facebook por veicularem informações falsas sobre a pandemia do Covid-19.

Diferentes pesquisadores têm apontado para os riscos da disseminação de mentiras para a democracia. O historiador Federico Finchelstein argumenta, em livro recentemente lançado, que a mentira é uma técnica fascista e objetiva tanto a substituição da realidade por uma verdade “transcendental”, quanto a destruição da memória histórica, além do ataque a instituições responsáveis por apresentarem fatos históricos ou jornalísticos. Nessa estratégia, a verdade passa a ser baseada não em fatos objetivos, mas em narrativas que melhor representem as ideologias e valores de grupos ou de seguidores de lideranças populistas ou neofascistas, como defende David Roberts.

As discussões a respeito do combate à disseminação de informações falsas estão longe de apresentarem soluções efetivas para o problema e mecanismos que promovam ações governamentais de maior controle sobre as redes podem ser utilizados em favor do recrudescimento de regimes autoritários. Por outro lado, a mobilização da sociedade civil para práticas de vigilância e de accountability, ainda que tímidas, amplia essas possibilidades ao atribuir responsabilidades a agentes políticos e econômicos e a cidadãos sobre o uso responsável e responsivo das redes digitais.

Hannah Arendt, uma das inspirações de Finchelstein, alerta para o risco de uma dominação baseada no império da mentira em massa:

discutir a verdade ou a mentira na predição de um ditador totalitário é tão insensato como discutir com um assassino em potencial se a sua próxima vítima está morta ou viva – pois, matando a pessoa em questão, o assassino pode prontamente demonstrar que a sua afirmação era correta

(Origens do Totalitarismo, 1989, p. 399)

Em nome de uma verdade “transcendental”, que dispensa comprovação empírica, perde-se o limite entre ficção e realidade, entre justiça e vingança, entre uma gripezinha e o desastre de mais de cem mil mortes.

Frances Vaz, Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social (UFMG)



Comente

Nome
E-Mail
Comentário