No dia 09 de junho, em São Bernardo do Campo (SP), um jovem de 17 anos, teve a testa tatuada com os dizeres “Eu sou ladrão e vacilão”, após um suposto flagrante da tentativa de furto de uma bicicleta. O tatuador Maycon Wesley Carvalho dos Reis foi responsável pelo ato, que foi filmado pelo pedreiro Ronildo Moreira de Araújo e, em seguida, compartilhado nas redes sociais.
O crime aconteceu em um dos quartos da pensão onde os homens alugam quartos. O jovem teve as mãos e pés amarrados, foi agredido, tatuado e ainda teve parte do cabelo raspado, de modo que não pudesse esconder a tatuagem. Os agressores justificaram o ato à polícia como uma punição pelo crime cometido pelo garoto.
O acontecimento repercutiu não só nas redes sociais, como também na mídia brasileira, e dividiu opiniões. Muitos se manifestaram favoráveis ao ato, e corroboraram com a ideia de que a tatuagem foi uma punição merecida diante do suposto ato criminoso, legitimando a ideia de justiça com as próprias mãos. Outros, manifestaram sua solidariedade ao jovem e a sua família e condenaram o ato, que foi reinterpretado como tortura e violência. Os responsáveis pelo coletivo Afroguerrilha criaram, inclusive, uma vaquinha¹ pela internet, que arrecadou mais de 18 mil reais, que foram destinados à família do jovem, que vive em condições precárias.
Analisando os quadros de sentido acionados por este acontecimento, chama nossa atenção o fortalecimento do discurso da impunidade, usado para justificar atos de justiçamento. Se o Estado e a polícia supostamente não punem, o cidadão assumiria esse lugar. Vemos também de modo crescente a postura de intolerância ao crime e ao criminoso, que ao cometer o delito, perde seus direitos como cidadão e até mesmo como ser humano. O apoio à ação contra o jovem se assenta em discursos que legitimam o castigo e desacreditam a ressocialização: uma vez bandido, sempre bandido.
Para além da intolerância ao crime, o acontecimento também aponta para um contexto social e econômico desigual. Dependente químico e com problemas psicológicos, o rapaz não teria acesso ao tratamento adequado por falta de recursos da família e apoio do Estado. Por mais que essa situação seja diferente agora – a prefeitura e instituições privadas estão dando assistência ao jovem – o ato nos mostra muito mais uma ação assistencialista e particularizada do que o desenvolvimento de ações que se estendam a outros jovens e famílias também em situações semelhantes.
Interpretado como justiça por alguns e como injustiça por outros, o acontecimento já começa a se normalizar. Torturadores presos. O jovem já está em tratamento e fez sua primeira sessão para a remoção da tatuagem. No entanto, há muitos problemas latentes: um contexto social desigual e excludente, o envolvimento dos jovens com as drogas, a violência urbana, um desejo de “justiça” a qualquer custo, que puna, castigue e a prática de linchamentos que, apesar de pouco visibilizada, é uma rotina² em nosso país. O que de fato queremos: justiça ou vingança?
Fabíola Souza
Doutoranda do PPGCOM e pesquisadora do GRIS
Saiba mais sobre o caso aqui.
¹ A campanha surgiu com o objetivo de custear a remoção da tatuagem e também o tratamento do jovem, que é dependente químico. No entanto, a família conseguiu o apoio da prefeitura e de clinicas particulares e os dois tratamentos serão gratuitos.
² Em entrevista ao El País, o sociólogo José de Souza Martins afirma que no Brasil há um linchamento por dia, sendo que nos últimos 60 anos, um milhão de brasileiros participaram de linchamentos.