Nas últimas semanas, a Operação Carne Fraca irrompeu no cenário midiático nacional com muita força, cuja reverberação atingiu em cheio a reputação da JBS e da BRF, principais frigoríficos do país, acusados de comercializar carne adulterada.
Tanto a JBS quanto a BRF vinham investindo pesado em anúncios publicitários de suas marcas mais famosas, produzindo comerciais estrelados por celebridades de peso e que traziam consigo algo de inesperado e polêmico em suas aparições. Angélica e Roberto Carlos, duas pessoas públicas que se diziam vegetarianas, estrelaram comerciais da Friboi (JBS) e da Perdigão (BRF); Fátima Bernardes, após sair da bancada do JN, estrelou seu primeiro comercial na Seara (JBS), e Tony Ramos, ator com 50 anos de carreira na TV Globo, foi o garoto-propaganda de duas campanhas da Friboi (JBS).
O ganho de credibilidade e popularidade para as marcas com tantos nomes de peso endossando a qualidade dos produtos é óbvio. No entanto, quando uma operação da PF denuncia a venda de carne vencida e uso de substâncias cancerígenas para maquiar alimentos que foram endossados por celebridades tão “intocáveis” e que, de certa forma, revelavam algo surpreendente nos comerciais, a decepção do público extrapolou a relação cliente-marca e atingiu também essas celebridades, que viraram alvo de críticas e memes.
Tony Ramos, o “garoto Friboi”, por exemplo, precisou afirmar publicamente que não tinha nenhum contato com a JBS e que era apenas contratado pela empresa de publicidade. Mesmo assim, reiterou que continuava usando os produtos nos seus churrascos de fim de semana.
A cobrança social expressa pelos memes e pelos questionamentos da imprensa pode ser justificada pela clivagem clássica entre o eu privado e o eu público, que é inerente ao status de celebridade. O posicionamento de Tony Ramos, além de reforçar essa disjunção, revela que há consciência por parte do famoso de que o empréstimo de seu rosto público a marcas também expõe nuances de sua face privada, e, por isso o esforço em separar sua imagem pessoal da imagem da empresa e do “garoto propaganda”. Mais do que ter consciência sobre o fato, vemos que o interesse em comercializar a própria imagem já inclui a exibição de sua face privada, uma vez que o ator reafirma o uso pessoal dos produtos Friboi.
O uso de celebridades em campanhas publicitárias é uma prática tão antiga que antecede a invenção das mídias modernas, como o rádio e a televisão, e remonta ao século XIX, em que a imagem do Papa Leão XII foi utilizada num cartaz do Vinho Mariani¹, e pode ser interpretada como uma tentativa de aproximação entre anônimos e célebres, vistos como olimpianos modernos². Contudo, no descortinar desse acontecimento em nosso contexto contemporâneo, de crise de valores e instituições, observamos que a carne das celebridades também pode ser fraca.
Mayra Bernardes
Mestranda do PPGCOM-UFMG
Pesquisadora do GRIS
Fernanda Medeiros
Doutoranda do PPGCOM-UFMG
Pesquisadora do GRIS
¹ BONTEMPO, M. A saúde da água para o vinho. Ed. Thesaurus, 2012, p. 36.
² Ver MORIN, E. As estrelas: mito e sedução no cinema. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989.