Análise | Internacional

Quem são os verdadeiros revolucionários da Nicarágua?

Depois da polícia matar dezenas de manifestantes em um protesto pacífico, Nicarágua se vê tomada por barricadas e bloqueios. Seria esse o fim dos revolucionários sandinistas?

Foto: Reuters.

Desde abril, imagens de um levante popular na América Central chegam à internet. Multidões de azul e branco, cores nacionais da Nicarágua, tomaram várias cidades do país em protesto. Os manifestantes foram recebidos por uma repressão brutal: até o momento 148 pessoas morreram, a maioria baleada por tropas de choque munidas com armamento letal. Entre as vítimas, o jornalista Ángel Gahona, que gravou seus últimos momentos pelo facebook. No entanto, essa carnificina surpreendeu quem conhecia a história do atual presidente do país: Daniel Ortega, um dos revolucionários mais célebres da América Latina.

Para entender esse presente conturbado, é importante relembrar o passado. Ortega esteve no poder em dois momentos distintos: o primeiro foi em 1980, quando era líder da Frente Sandinista de Libertação Nacional, um grupo guerrilheiro nomeado em homenagem ao herói campesino Augusto Sandino. Por meio de uma revolução armada, a frente derrubou a dinastia Somoza, a ditadura mais longa do continente. Nesse estágio, o sandinismo era um movimento popular que não só implementou vários programas sociais, mas conquistou simpatizantes em todo o mundo. A banda The Clash chegou a nomear um de seus álbuns em homenagem aos guerrilheiros.

Os sandinistas governaram até 1990, depois de uma derrota nas urnas com a redemocratização. No entanto, Ortega volta ao governo mais de uma década depois, agora como presidente eleito. Buscando apoio político, ele abandona suas origens revolucionárias e se aproxima das elites e setores conservadores do país. Apesar de preservar uma retórica socialista, implementou vários atos, discursos e políticas que traem os ideais do movimento sandinista. Durante sua campanha de reeleição, por exemplo, apelou para o conservadorismo cristão da população com slogan “Para uma Nicarágua Cristã, Socialista e Solidária”. Reeleito, baniu o aborto do país, inclusive em casos de risco de vida para a mulher. Desde então, seu governo é marcado por uma gestão ortodoxa e favorável a políticas de austeridade.

Este ano ele consolidou sua “traição” com uma canetada: impôs por decreto uma Reforma Previdenciária extremamente impopular. A medida levou milhares de pessoas às ruas que, por sua vez, foram recebidas por tiros. Segundo ativistas nicaraguenses, o próprio Ortega comandou a polícia a abrir fogo contra os manifestantes. Diante do choque causado pelas mortes, rebeliões começaram a ocorrer em todo o país exigindo a renúncia do presidente. Nicarágua agora vive em caos, cercada por barricadas e com estradas bloqueadas.

Engana-se, no entanto, quem aposta que esta crise levaria ao fim do sandinismo. Se Ortega esqueceu de seus primórdios, a juventude que protagoniza o levante de 2018 resgata sua história. “Os netos da revolução”, nas palavras do escritor Sérgio Ramirez, retomam várias símbolos de lutas passadas, como hinos e gritos de guerra, porém, não deixam de atualizá-los. As palavras de Sandino “Pátria Livre o Morir!” são parafraseadas. Agora é “Pátria Livre y Vivir!”

Caio Santos
Jornalista e comunicólogo graduado pela UFMG e apoio técnico do GrisLab



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