Análise | Violência e Crimes

Sequestro no ônibus: retrato de uma sociedade insegura e punitiva

A celebração da morte do sequestrador revela o quanto vigora em nossa sociedade uma valorização seletiva da vida e a crença de que “soluções rápidas” como a morte do criminoso são eficientes no combate à criminalidade
Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo.

Rio de janeiro, manhã de terça feira, 20 de agosto. Trinta e nove pessoas são feitas reféns em um ônibus na ponte Rio-Niterói. Willian Augusto da Silva, 20 anos, portava uma faca, um revólver – que mais tarde, a polícia descobriu que era de brinquedo – e uma arma de choque.

Durante mais de três horas, o rapaz ameaçou incendiar o ônibus. Diagnosticado com sintomas de um surto psicótico e resistente às negociações, foi baleado com 6 tiros por snipers quando retornava ao veículo e morreu no hospital.

Apesar da morte de Willian, a operação foi considerada por muitos especialistas como taticamente adequada e interpretada como um caso de sucesso, quando comparado ao sequestro do ônibus 174, no qual o sequestrador e uma passageira acabaram mortos.

Ao olhar para este acontecimento, o primeiro ponto que chama a atenção é a figura de Willian. Pouco se falou sobre o sequestrador, suas motivações, sendo sua morte interpretada principalmente como consequência de suas ações. Ao sequestrar o ônibus, ele colocou sua vida em risco e teria perdido o direito de ter a vida preservada.

A comemoração do governador Wilson Witzel e de alguns policiais não só endossa o pensamento de que a morte do criminoso é politicamente valiosa, como revela total despreparo no enfrentamento da criminalidade. Muito criticado pelas operações policiais nas comunidades cariocas, que têm ocasionado muitas mortes por bala perdida, o governador usou o desfecho “bem sucedido” do sequestro para mais uma vez defender uma de suas propostas de campanha, que é a aniquilação de suspeitos que portem fuzis.

Vemos que a morte, que deveria ser encarada como falha, é para Witzel motivo de vitória, como se a execução de criminosos fosse uma medida efetiva de combate à violência. Além disso, a celebração da morte também demostra falta de empatia com a família do sequestrador, que acompanhou de perto o desfecho trágico do rapaz. A exceção à regra foi o pai de vítima do sequestro consolando a mãe de sequestrador em delegacia: “a dor é dos dois lados”.

Outro perigo do discurso sustentado por Witzel – e também por Bolsonaro, que parabenizou os policiais envolvidos na operação e ressaltou a preservação da vida dos inocentes -, é o fortalecimento, dentro da própria polícia, da cultura da violência e também de uma postura de maior repressão, chegando ao abate. Também não podemos desconsiderar que, na própria sociedade, o medo e sensação de insegurança levam muitas pessoas a apoiarem esse tipo de ação e se deixarem seduzir por essas “soluções” rápidas e completamente ineficazes. Diante de um dado alarmante como o número de assaltos em coletivos no Rio de Janeiro –  até abril desse ano, esse tipo de crime cresceu 21,6% no estado do Rio de Janeiro, sendo registrados 5,8 mil casos, o que significa uma média de um assalto a cada 30 minutos – é preciso que os governos implementem políticas de segurança concretas, que protejam a população e previnam a criminalidade. Para isso é preciso ir além do discurso da punição – também presente na sociedade e na mídia – e tocar em raízes mais profundas, ancoradas em segurança preventiva, investimento em inteligência e, ainda mais profundamente, no combate à desigualdade social e ao desemprego, no fortalecimento da educação e na promoção de saúde mental e condições de vida dignas para todos os cidadãos.

Fabíola Souza, Professora substituta da UFOP e pesquisadora do GRIS



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