Análise | Violência e Crimes

Tiros em Goiânia: sintomas de uma sociedade desequilibrada

Um adolescente de 14 anos fez onze disparos contra colegas em uma escola particular em Goiânia, deixando dois mortos e quatro feridos. Essa tragédia choca não só pelo teor da violência, mas pelo fato das vítimas e do próprio atirador serem filhos da classe média. Bullying? Distúrbios mentais? Essa e outras tragédias revelam um cenário social fragilizado.

Foto: UOL.

No dia 20 de novembro, um adolescente de 14 anos, estudante do oitavo ano, fez onze disparos contra colegas em uma escola particular em Goiânia. Dois estudantes morreram no local e quatro ficaram feridos. O motivo, segundo J.C.M., seria o bullying sofrido por ele por parte dos colegas que o apelidaram de “fedorento”. Segundo o delegado responsável pelo caso, o adolescente teria se inspirado em dois crimes ocorridos em escolas: Columbine (EUA) e Realengo (Rio de Janeiro). Os disparos vieram da arma da mãe do adolescente, que é filho de policiais militares. O adolescente foi apreendido no local e encaminhado para o Centro de Internação Provisória, onde, por decisão judicial, ficará por pelo menos 45 dias.

O acontecimento ganhou grande repercussão na mídia, sendo nomeado como uma grande tragédia. Como nos diz Quéré, a emergência do acontecimento convoca um passado e um futuro e as narrativas midiáticas foram em busca de atitudes do adolescente que preanunciassem a tragédia. O bullying foi apresentado inicialmente como o grande motivador de todo o crime. Porém, no decorrer do tempo, surgem outros possíveis motivadores. O bom aluno, garoto quieto e de poucos amigos, era também admirador de Hitler, jogador de videogames violentos, um adolescente que diante das brincadeiras dos colegas proferia ameaças de morte, que eram desacreditadas por todos. Além disso, tanto a escola quanto os pais do garoto e também os pais de João Pedro Calembo, primeira vítima dos disparos e acusado por ele de bullying, negam qualquer queixa de bullying por parte de J.C.M. Também foi divulgado que ele teria premeditado o crime por dois meses e que, após matar Calembo, decidiu continuar atirando aleatoriamente nos colegas.

Entre os quadros de sentido acionados pelo acontecimento, o bullying e seus efeitos na vida dos adolescentes ganha destaque, inclusive por ter sido usado como justificativa para o ato. A discussão sobre o porte legal de armas também ganhou visibilidade, uns usando o caso para reforçar a impossibilidade de legalização, outros dizendo que o caso, independente da legalização, não poderia ser evitado. Mas dois outros aspectos (e associações) podem ser evocados.

Primeiramente, a distinção que é feita pela narrativa midiática em torno do caso e do adolescente que, diferentemente do tratamento dado a outras ocorrências criminais que envolvem crianças e adolescentes das periferias, não é tratado como “bandido”, mas como vítima – vítima do bullying, vítima talvez da ausência e negligência dos pais. Se naqueles casos a violência é naturalizada (“faz parte deles”), neste busca-se compreendê-la socialmente; de alguma maneira esta violência é até mais assustadora, pois se dá “no nosso meio”.

Uma segunda associação é com a tragédia recente em uma creche de Janaúba (MG), tema de análise anterior do GrisLab, quando um vigia ateia fogo em crianças, provocando 11 mortes (9 crianças, uma professora e o próprio autor) e inúmeros ferimentos gravíssimos. Essas tragédias (a de Janaúba, a de Goiânia) guardam semelhança com massacres que também vêm ocorrendo nos Estados Unidos (como o atirador que matou 26 pessoas em igreja Batista no Texas, no início de novembro). Podemos entender que tais violências são resultado de doenças mentais; pessoas que cometem tais crimes sem motivação imediata estão acometidas de forte desequilíbrio emocional e mental.

A avaliação tem fundamento. Porém é importante lembrarmos que doenças acometem mais raramente em contextos saudáveis. Um cenário social desprovido de horizonte, a falta de perspectivas políticas que apontem para a melhoria das condições de vida e convivência criam um ambiente favorável ao desenvolvimento de toda sorte de desequilíbrios. Mental entre outros. Um mundo ruim não desperta o melhor de nós – é o contrário.

Vera França
Coordenadora do GrisLab/Professora Titular do PPGCOM-UFMG

Fabíola Souza
Doutoranda do PPGCOM-UFMG



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