Análise | Poder e Política

O Partido dos Sem Partido

No momento em que o país vivencia mais drasticamente a política, a quem interessa que não falemos de política?

Fonte: Que Mário?/UOL

Há meses não há outra coisa acontecendo no Brasil sem ser a política. No entanto, acontecimentos recentes, como o ressurgimento apressado da votação do projeto Escola sem Partido nessa semana, tem demonstrado que falar de política (ou mostrar-se político) não tem sido uma ação bem vista ou benquista, mesmo que estejamos ainda em um regime democrático.

No final de outubro, publicamos uma análise sobre os perigos do movimento de revisionismo histórico que mobilizou (e segue mobilizando) o debate público no período eleitoral, questionando a legitimidade do vínculo entre o nazismo e o fascismo com as ideologias de direita e justificando os horrores perpetrados durante a Ditadura Militar no Brasil. Tristemente, os ecos deste movimento chegaram à academia e até mesmo aos futuros representantes do governo brasileiro.  

Após o resultado do primeiro turno, a disputa entre narrativas – ou, para alguns, entre verdade e mentira – se acirrou, e começaram a pipocar pelo Brasil relatos de pixações da suástica nazista em banheiros das universidades públicas, junto com ameaças a alunos cotistas, a LGBTs, negros e feministas. A UFMG foi uma das universidades afetadas por essas manifestações de intolerância e, no dia do professor, publicou uma nota em que os reitores reafirmavam “nosso inequívoco compromisso com os ideais democráticos, o Estado de direito e a justiça, a liberdade de expressão e cátedra, o bem comum e o interesse coletivo, o respeito à diversidade e aos direitos humanos”.

Apenas quatro dias antes do segundo turno, a juíza Maria Aparecida da Costa Barros ordenou a retirada de uma faixa contra o fascismo e ameaçou prender o diretor da UFF, sob a alegação de que a faixa seria propaganda eleitoral ilegal. Nos dias de que se seguiram foram deflagradas dezenas de ações de busca e apreensão de faixas e cartazes em universidades públicas com o mesmo pretexto, além do cancelamento de eventos sobre política e contra o fascismo. Posteriormente, o STF desautorizou as ações.

Horas após a eleição de Jair Bolsonaro, Ana Caroline Campagnolo, deputada estadual eleita pelo PSL em Santa Catarina e apoiadora do candidato eleito, disponibilizou em suas redes um canal de denúncia para que seus apoiadores (e alunos) denunciassem professores “doutrinadores” que falassem sobre o resultado das eleições presidenciais. Dois dias após o ocorrido, o MP-SC apresentou uma ação civil pública contra a deputada, apontando a ilegalidade da criação de um canal informal e privado para o recebimento de denúncias e a tentativa de imposição de um regime de medo nas salas de aula.

Observando este cenário de ataques e disputas discursivas, nos perguntamos a quem interessa que não falemos de política nas ruas, nas escolas e nas universidades, em nome de uma pretensa neutralidade. Pretensa, pois a adoção de projetos como o Escola sem Partido, a ameaça a professores, universidades e ao conhecimento científico, o revisionismo histórico e a censura a manifestações políticas contrárias ao fascismo são ações que revelam também intenções políticas. Não se quer escola sem partido, mas sim, escola com um único partido, que flerta com o autoritarismo e com o desmantelamento dos significativos avanços educacionais que tivemos no Brasil pós-redemocratização.

Mayra Bernardes
Mestranda em Comunicação pelo PPGCOM/UFMG
Pesquisadora do GRIS



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