Análise | Morte

Afiada conversa

Uma pequena carta a  Paulo Henrique Amorim, um colega que inspirou, indignou e faz falta.

Crédito: Divulgação.

“Olá tudo, bem?” – você sempre perguntava. Não, não está tudo bem. Estou escrevendo uma análise sobre sua morte e nem parei para senti-la e pensar sobre ela, com tantas barbaridades ditas e feitas desde aquele dia 10 de julho.

Paulo Henrique Amorim, eu não cheguei a vê-lo vi muito na Globo, mas acompanhei especialmente o “Tudo a Ver”, o telejornal com variedades ancorado por você no período da tarde. Lá começava meu interesse pelo jornalista que não falava como a maioria dos outros. Com senso de humor e uma perspectiva política anti-tucana rara na grande mídia, sua voz (de bordões gostosos de imitar – alguns deles reproduzidos carinhosamente entre aspas nesta carta) conquistou um merecido espaço na história da TV brasileira.

Por outro lado, tive vários estranhamentos. Vi você sustentando que o jornalista deve “vestir a camisa da empresa” em que trabalha (como se as grandes empresas protegessem seus jornalistas, eu replicaria), defendendo desastrosamente a construção de Belo Monte, apresentando o programa dominical que colocou no ar a constrangedora matéria sobre o “ET Bilu”, divulgando notícia falsa no blog Conversa Afiada (sobre Joaquim Barbosa “poupar tucanos”, o que se desmente com uma simples busca no google), sendo condenado por injúria racial.

Hoje penso que se as decepções foram grandes, foi porque eu sempre esperava muito de você. Muito mais do que eu espero de Rachel Sheherazade, Reinaldo Azevedo, Marco Antonio Villa – e olhe que os três sofrem perseguições nestes tempos sombrios: ela sendo ameaçada, eles sendo demitidos. “Agora, nessa… você não vai acreditar”: até a Miriam Leitão, que você chamava “urubóloga”, ultimamente tem que ficar confirmando que foi torturada no passado. É mais uma vítima da babaquice desumana que assaltou não só o planalto, como também corações e mentes em nosso país.

“E ainda não acabou. Tem a última!”. Você foi afastado da Record há poucos dias do infarto fatal. Seu colega Boechat, antes da morte trágica, teve problemas de saúde que o levaram a ser internado – problemas que o amigo Juca Kfouri atribuiu ao excesso de trabalho. Lembrando como a violência contra os nossos cresce, resultando em agressões e mortes, percebemos que nosso ofício é assim: não temos qualquer garantia de liberdade para opinar, de emprego, de saúde mental, de integridade física, sequer de nosso direito de viver. Mas poderíamos esperar alguma proteção ao informar na era em que é mais confortável se desinformar?

Não, não está tudo bem, PH. Mais grave: muitos nem querem saber que não está tudo bem. O golpismo venceu: pior do que a Imprensa Golpista, quem venceu nas redes e nas ruas foi a mentira – que foi “tucanada” e ganhou o nome de “pós-verdade”. Sinto tristeza. E, admito, sinto sua falta. 

Resta fazer como você e desejar para nosso Brasil, mergulhado em trevas: “boa noite. E boa sorte!”

Gáudio Bassoli
Jornalista 
Apoio Técnico do Gris e Mestre em Comunicação Social pela UFMG



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