A Vaza-Jato revela um personagem ao mesmo tempo inseguro, ambicioso e que não mediu os meios na procura dos fins que considerava legítimos.
“Em geografia, designa-se por delta a foz de um rio formada por vários canais ou braços do leito do rio”, nos informa a Wikipédia. Da mesma forma, após as revelações da Vaza Jato, a imagem pública de Dallagnol deságua em descrédito por várias frentes.
Muito antes das reportagens do The Intercept Brasil e colaboradores, a Agência Pública mostrava estudo de pesquisador da UFPR indicando como os integrantes da Lava Jato “vivem na mesma bolha”. Eliane Brum, por sua vez, alertava como Deltan Dallagnol coloca a operação em risco “quando escolhe arregimentar seguidores em vez de informar cidadãos”. “É preciso entender se, neste jogo, Deltan Dallagnol é bispo ou apenas um peão que acredita ser bispo”, disse a jornalista, na sequência da apresentação do Power Point que virou meme.
Os primeiros vazamentos publicados pelo Intercept sugerem um procurador inseguro, seduzido às vontades de quem, em vários momentos, parece ser o verdadeiro coordenador da força-tarefa da Lava Jato: Sérgio Moro. O “estagiário” de Moro afasta procuradora de audiência considerando que ela não iria “muito bem”, responde “é sim” quando perguntado “não é muito tempo sem operação?”, consulta o juiz sobre consistências de provas depois de apresentada denúncia, aceita sugestão de nota oficial contra a defesa de Lula, não investiga Fernando Henrique pois “melindra alguém cujo apoio é importante” e trama, por sugestão do “chefe”, o vazamento de uma delação para interferir na política de outro país. Nas últimas semanas soubemos até que o atual ministro da Justiça demoveu Dallagnol de pedir a apreensão do celular de Eduardo Cunha e de construir um monumento à Lava Jato. O procurador e seus colegas também deixam escapar os grandes bancos na operação. Deltan se comporta nessas situações como peão.
Outras revelações, porém, constroem uma imagem inversa do personagem. Como noticiou The Intercept Brasil, a soberba não foi só a ideia de construir o monumento: Deltan e seus colegas incentivaram secretamente investigações de ministros do STF, usaram partido político e grupos da sociedade civil como lobistas para emplacar suas pautas e houve até encontro secreto com banqueiros em pleno ano eleitoral e palestras pagas, uma delas por empresa investigada. O procurador também pede uma “olhada informal” em dados fiscais sigilosos e protege seu pupilo, Castor de Mattos, procurador da Lava Jato que pagou por outdoor ilegal. Nesses momentos, Dallagnol foi o peão que acreditava ser bispo.
Matéria d’O Globo dá conta que nada disso constrangeu entusiastas de pedir que Deltan fosse indicado para procurador-geral da república. A resposta do perfil do Facebook do presidente da república é mais um episódio da paranoia macartista que tomou conta do Brasil: um post chamando Dallagnol de “esquerdista estilo PSOL”, por declarações nas quais critica atos de Bolsonaro no governo e repudia a ditadura militar; publicações compartilhando notícias sobre suspeitas de irregularidades contra o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, e contra Fabrício Queiroz; e registros de “curtidas” do procurador em publicações de outras pessoas , entre outros assuntos, sobre Amazônia, direitos indígenas, direitos humanos e ditadura militar. Na última semana, Dallagnol entrou na mira de Olavo de Carvalho e Eduardo Bolsonaro.
O Conselho Nacional do Ministério Público Federal (CNMP) reabrindo investigação da conduta do procurador aumenta a especulação sobre o personagem se tornar “boi de piranha”, sendo punido como prêmio de consolação para os descontentes com os rumos da Lava Jato. Mas ainda parece cedo para dizer qual imagem de Deltan Dallagnol vai prevalecer. Uma coisa é certa: as revelações – talvez literalmente – tiram o sono do procurador. Depois da Vaza Jato, nada será como antes para ele.
Gáudio Bassoli Mestre em Comunicação Social e Apoio Técnico do Gris
Muito bom Gáudio. A história do procurador parece enredo de novela ou script de um filme daqueles que tratam dos bastidores do poder.