Talvez mais agressiva que o tapa dado meses depois, a declaração de Augusto Nunes contra uma família não deixa de ser uma elaborada apelação para estereótipos preconceituosos do público que insiste em dar-lhe credibilidade.
“O Glenn Greenwald passa o dia dando chiliques no Twitter, ou trabalhando de receptador de mensagens roubadas. Esse David fica em Brasília lidando com rachadinhas, que essa é a suspeita aí, que isso dá trabalho. Quem é que cuida das crianças que eles adotaram? Isso aí o juizado de menores devia investigar”.
As opiniões transcritas acima foram dadas no dia 1º de setembro. As quatro frases em sequência parecem juntar as figuras do homossexual chiliquento, do jornalista cúmplice de crimes, do político corrupto, do lar de filhos adotados abandonados pela falta de uma mãe. Curioso é que as imagens usadas para atacar um adversário no campo político encontrem pouco respaldo na realidade.
Em primeiro lugar, Glenn não parece ser do tipo chiliquento: não foi ele quem partiu para as vias de fato no último dia sete, no Programa Pânico. Quanto a trabalhar “como receptor de mensagens roubadas”, parabenizamos o estadunidense pela paciência de explicar reiteradas vezes que, se não cabe ao profissional obter informações ilegalmente, é papel da profissão divulgar informações de interesse público, independente da forma como elas foram obtidas. O que não cabe ao jornalismo é publicar fake news que serve às suas convicções, como fez Augusto Nunes três dias depois do fatídico tapa. Jornalista não é hacker ou cracker, mas também não pode se comportar como assessor de imprensa, como influenciador digital irresponsável, ou como pugilista. Cada um no seu quadrado.
E as rachadinhas? David se apressou em prestar contas quando surgiu acusação, indicando a origem de seu patrimônio. Enquanto isso, a justiça tarda em investigar Queiroz, aparentemente operador de esquema não só de Flávio Bolsonaro, como também do pai do senador, tão defendido por Augusto Nunes.
Já a pergunta “quem é que cuida das crianças que eles adotaram?” nem precisa ser respondida pela colega Mônica Bergamo – que homenageou os filhos de Greenwald quando premiada junta com Nunes -, ou pelo humorista Rafinha Bastos, que conheceu Glenn e a família há dois anos. Basta seguir o deputado ou o jornalista do Intercept nas redes sociais e ver, por exemplo, um deles ir para a Parada enquanto outro fica na companhia dos filhos. O mundo em que é papel dos homens só trabalhar fora e das mulheres só cuidar dos filhos e da casa não existe mais.
Voltemos à agressão física: ela acontece pouco depois do agressor ter classificado como “ironia” tudo o que tinha proferido em setembro. Se até humoristas quando se escondem no rótulo “piada” para dizer barbaridades são covardes, o que dizer de homens ditos sérios? Convenhamos: quem sai no tapa alegando ter a “honra ferida” parece ser muita coisa, menos bem-humorado…
A briga foi separada, o programa saiu do ar para continuar instantes depois. Muitos se pronunciaram contra a agressão, tantos outros se sentiram representados, o agressor e a emissora fizeram notas, e na semana seguinte foi como se nada tivesse acontecido.
Com honrosas exceções como Glenn, não é só Augusto Nunes: o Brasil em 2019 é covarde.
Gáudio Bassoli, mestre em Comunicação Social pela UFMG e Apoio Técnico do Gris