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Consórcio inédito entre veículos da imprensa ratifica o papel do jornalismo em uma democracia

Diante de reiteradas tentativas do governo federal de sonegar e/ou maquiar os dados relativos ao novo coronavírus, G1, O Globo, Extra, O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e UOL formaram um inédito consórcio. O objetivo é divulgar o mais próximo possível da realidade as informações sobre a pandemia. O episódio reforçou e aumentou o distanciamento de Bolsonaro da imprensa brasileira e, por que não, da democracia.

Foto: Istock / divulgação

Transparência nunca foi o forte do atual governo federal. Desde janeiro de 2019, ou seja, ano do seu segundo mandato, o ex-capitão Jair Bolsonaro já colecionava alguns atentados contra esse importante valor de qualquer nação minimamente democrática. De acordo com matéria da Folha de São Paulo, publicada em 22 de junho de 2020, pelo menos 13 medidas para dificultar ou sonegar informações foram lançadas pelo Planalto.

A pandemia do novo coronavírus aterrissou no Brasil em março de 2020 e até ela foi alvo do governo federal. Reiteradas vezes, foram investidas manobras para acobertar a escalada da doença por aqui. Recurso, diga-se de passagem, lançado por países que mantém uma frágil democracia ou que já vivem sob a égide de um governo autoritário.

No entanto, dia 8 de junho, parte da imprensa brasileira resolveu agir. A gota d’água foi quando o tradicional balanço com os números da pandemia passou a ser divulgado mais tarde: de 17h para às 19h, e depois às 22h. O horário inviabilizaria a veiculação das informações sobre a Covid-19 em telejornais e publicações impressas. Somado a isso, ainda no dia 4 de junho, o portal do governo federal pelo qual os números eram divulgados, chegou a sair do ar. Quando retornou, apresentava números referentes apenas aos casos novos, desprezando os já registrados.

O cenário estranho e carente de informações claras que uma crise dessas proporções exige motivou a parceria dos seguintes veículos da imprensa: G1, O Globo, Extra, O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e UOL.

Formou-se, portanto, um consórcio no qual os profissionais dos veículos, de maneira colaborativa, se encarregariam de buscar dados sobre o novo coronavírus diretamente nas secretariais de saúde dos 26 estados e no Distrito Federal. O balanço passou a ser divulgado às 20h, horário ideal para as informações chegarem a todos os veículos de imprensa, de TV, eletrônicos ou impressos.  

A medida inédita na imprensa brasileira ratificou o lugar do jornalismo, qual seja, o de revelar de maneira clara informações de interesse público. Além disso, o episódio reforçou o distanciamento entre o governo federal e a imprensa brasileira. Ou melhor, o presidente Jair Bolsonaro fez questão de marcar esse distanciamento. No dia 5 de junho, questionado sobre os atrasos na divulgação dos números da Covid-19, Bolsonaro disse: “Acabou matéria do Jornal Nacional”.

Como já dito anteriormente, sonegar informações de interesse público é característica de governos ditatoriais que, a seu bel prazer, manipulam e executam manobras escusas em favor de interesses avessos ao que é nobre e republicano. Brigar pela transparência é um direito público e ao atender a esse anseio de nações democráticas, o jornalismo assume de forma insofismável o seu papel de guardião da democracia.

Rafael Campos, jornalista e mestre em Análise do Discurso pela Faculdade de Letras (Fale/UFMG)
Maíra Lobato, mestra em Comunicação Social pela UFMG



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