Conforme entendimento do nosso judiciário, crimes de LGBTfobia devem ser punidos e tratados como crimes de racismo. No entanto, autoridades religiosas e inclusive o ministro da Educação têm feito declarações LGBTfóbicas. Não seria o caso de punir e coibir tais declarações?
Em 13 de junho de 2019, por omissão legislativa, o TSF decidiu que casos de homofobia e transfobia devem ser tratados como crimes de racismo, até que o Congresso Nacional edite lei específica. A Lei que trata sobre o racismo é a 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Uma das discriminações que ela proíbe é a interdição de pessoas em diversos locais, como restaurantes, hotéis, estabelecimento de ensino e estabelecimentos comerciais; em função de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional (e, agora, também orientação sexual ou identidade de gênero).
No entanto, a Lei não fala nada sobre igrejas. Como fica a separação Igreja/Estado? O Estado tem direito de impedir a discriminação de pessoas em função de orientação sexual ou identidade de gênero dentro de igrejas? No início do mês de setembro, membros da família Valadão fizeram dois comentários públicos discriminatórios em relação a homossexuais. O Art. 20 da lei contra racismo proíbe “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito” contra as minorias supracitadas e, no segundo parágrafo, define aumento de pena para os crimes “cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza”. Os pronunciamentos de André Valadão e Ana Paula Valadão, se fossem enquadrados nessa lei, cairiam no parágrafo em questão.
André e Ana Paula são filhos de Márcio Valadão, pastor presidente da Igreja Batista da Lagoinha, uma igreja batista renovada com sede em Belo Horizonte. Ambos são pastores e cantores gospel. No dia 08 de setembro, André Valadão disse que igrejas não são lugares para homossexuais. No dia 12 de setembro, Ana Paula Valadão disse que a AIDS é um castigo de Deus para os homossexuais. A ironia é que uma pesquisa de mestrado realizada na UFMG* traz depoimentos de homens gays que frequentam a Igreja Batista da Lagoinha, e aponta para uma forte presença de homossexuais nessa igreja, a ponto de ser apelidada pelos entrevistados como “Gayloinha”. Esses sujeitos também apontam como diversos gays que frequentam a igreja são fãs de Ana Paula Valadão e da banda Diante do Trono, comandada pela pastora. Um dos entrevistados diz na pesquisa que os congressos da banda parecem encontros de homens gays.
Para esta análise, fizemos uma coleta de dados num grupo do Facebook de militância LGBT. Nele, um fã de Ana Paula Valadão, decepcionado, lamentou as palavras da cantora, dizendo que ela era, até então, um “ícone” para a comunidade LGBTQI+.
Para completar as declarações polêmicas do mês, no dia 29 de setembro foi a vez do ministro da educação Milton Ribeiro dizer que o “homossexualismo” (termo pejorativo) é uma “opção” relacionadas a “famílias desajustadas”. Dessa vez não foi um representante da Igreja falando, mas sim do Estado. Ou será que não? Milton Ribeiro, além de Ministro da Educação, também é pastor presbiteriano. Mas, afinal, pra quem essa decisão do STF vale? Pra representantes da Igreja? Pra representantes do Estado? Para alguém? Ela realmente está existindo na prática?
Num contexto em que vivemos tantos retrocessos e a recrudescência de várias formas de conservadorismo, tais declarações são alarmantes e perigosas. Considerando a força das igrejas protestantes, e da Igreja Batista da Lagoinha, o exemplo é lamentável. Mais ainda de um Ministro de Estado, e ministro da Educação, que deveria ser exemplo de convivência cidadã. Sinal dos tempos. E de que a resistência e a luta de grupos oprimidos devem continuar.
* Vivendo no Front: discursos acionados por sujeitos na fronteira entre perspectivas LGBTs e evangélicas sobre sexualidade, de Vanrochris Helbert Vieira.
Vanrochris Vieira, doutorando em Estudos de Gênero pela Universidade Federal de Santa Catarina Pesquisador do Gris/UFMG
Vera França, professora titular de Comunicação Social da UFMG e coordenadora do GrisLab