Análise | Morte

A despedida de Aretha Franklin: celebrações aos pés da Diva, abuso diante do mundo

A morte de Aretha Franklin convoca o resgate de sua memória enquanto mulher negra, artista e militante feminista e antirracista. Seu funeral, porém, foi marcado não só pela suntuosidade e pela presença de famosos, mas também pelo assédio sofrido por Ariana Grande, que gerou indignação nas redes sociais. 

Créditos: Damon Winter/The New York Times

Aretha Franklin se despediu desse mundo como a verdadeira Rainha do Soul: com um funeral de quatro dias, caixão banhado a ouro 24 quilates, vestido de renda e um salto de quase 13 cm, assinado por Christian Louboutin. Mas, ainda assim, o gesto não parece suficiente para representar o tamanho e a importância da artista. Sua morte foi um acontecimento de repercussão mundial, reunindo notas de pesar de celebridades variadas – de Donald Trump a Diana Ross.

Cantora, compositora e dona de um timbre inconfundível, Aretha é um dos nomes mais lembrados do Grammy, com 44 indicações, 18 prêmios e três homenagens especiais por sua carreira, que completou 70 anos. Ela ganhou uma estrela na Calçada da Fama de Hollywood em 1979 e se tornou a primeira mulher a entrar no Hall da Fama do Rock, em 1987. Foi eleita a “maior cantora de todos os tempos” pela revista Rolling Stone, vendeu mais de 75 milhões de discos e cantou na posse de três presidentes americanos — incluindo Barack Obama, em 2009.

O envolvimento com a política e com os movimentos sociais se mistura com a própria trajetória da artista. Seu pai, o pastor C. L. Franklin, figura de relevo do movimento de luta contra a discriminação dos negros americanos nos anos 1950 e 1960, era amigo de Martin Luther King e, por isso, Aretha conviveu desde muito nova com o líder. Ela chegou a acompanhá-lo em digressões pelo país, cantando em serviços religiosos e comícios. No funeral dele, quando interpretou “Take My Hand, Precious Lord”, Aretha já era uma estrela mundial, consagrada pelo single “Respect”, que foi transformado em hino feminista e usado em vários protestos contra a discriminação racial [1].

Felizmente, Aretha pode viver algumas transformações sociais importantes pelas quais lutou. Aretha foi vítima de violência doméstica em seu primeiro casamento e sofreu com problemas de peso durante quase toda a sua vida, marcas de sua experiência como mulher e negra. No entanto, Aretha existia para além das marcas que a tornam pertencentes a um grupo social historicamente oprimido: por meio de suas músicas, pregava a superação de barreiras estruturais e o empoderamento feminino, constituindo uma face importante da história norte-americana.

Infelizmente, o mesmo palco que foi utilizado para celebrar as lindas contribuições deixadas por ela também apresentou para o mundo cenas de abuso cometidas em tempo real, pelo pastor Charles H. Ellis III, que realizou o funeral.

Ao cumprimentar a cantora Ariana Grande, de 25 anos, que homenageou Aretha cantando um de seus clássicos, o pastor repousou a mão na lateral do seio da artista. Um vídeo captado durante a cerimônia, mostrando o momento e a reação de Ariana, gerou muita indignação nas redes sociais e o pastor precisou se desculpar publicamente.

Embora tenha negado suas intenções ao “apalpar” a jovem, a situação demonstra como o hino feminista criado pela Diva continua urgente, necessário e aceso: diversos portais de notícias e fãs começaram a subir a tag #respectAriana, em alusão ao maior sucesso da cantora. A voz de Aretha Franklin continua viva.

 

Mayra Bernardes

Mestranda em Comunicação pelo PPGCOM-UFMG / Pesquisadora do GRIS

 

Fernanda Medeiros

Doutoranda em Comunicação pelo PPGCOM-UFMG / Pesquisadora do GRIS



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