Análise | Poder e Política

A passagem de Roger Waters no Brasil: música, arte e os afetos

A turnê Us+Them de Roger Waters, ex- Pink Floyd, passou pelo Brasil em outubro e despertou os mais diferentes afetos. Essa foi a quarta vez que o músico se apresentou por aqui, mas, desta vez, foi diferente.

Foto: Eugênio Gurgel/ T4F Divulgação

A turnê Us + Them de Roger Waters, ex-Pink Floyd, pelo Brasil, gerou marcas – ou afetos distintos. Não foram, contudo, marcas alheias ao contexto social e político que o país vivenciava – e ainda vivencia. Digo isso, porque não são raros os espetáculos musicais ou teatrais que parecem nos tirar de um mundo factual e nos levar para uma zona paralela. Assim, retornamos desses eventos da mesma maneira que voltamos de uma viagem de férias, quando esquecemos as questões cotidianas e outros imbróglios que nos cercam. Não quero, aqui, diminuir tais propostas de arte, até porque precisamos delas para seguir vivendo.

Os shows de Waters, entretanto, tinham (e têm) proposta diferente. Causaram-nos incômodo. Sabemos que historicamente o músico oferece em seus espetáculos, sempre grandiosos, elementos imagéticos e/ou verbais de cunho provocativo contra o status quo. O sistema capitalista e opressor, as mais diferentes relações de poder e as intenções maquiavélicas das grandes nações são alguns dos alvos do artista no palco. Nas apresentações no Brasil, contudo, tais provocações ganharam contornos mais acentuados. Em outras palavras, a vinda de Roger Waters não poderia acontecer em hora mais oportuna.

Em Belo Horizonte, no estádio do Mineirão, cerca de 60 mil pessoas foram convocadas – querendo ou não – a lidar com questões e/ou temas que diziam respeito à conjuntura atual brasileira. Temas que, talvez, se o show fosse realizado em outra época, poderia soar como algo distante. Mas não foi o caso. Diante disso, houve quem se rebelou com o músico, virando as costas para o palco, fazendo gestos obscenos ou gritando o nome de um candidato à presidência que, de alguma forma, dialogava com tais provocações – e críticas.

Durante três horas de show, o público foi afetado de formas diferentes. Houve quem nem percebeu a tensão no ar ou se fez de desentendido. Outros se viram afetados completamente e aos gritos de “Ele não” relacionaram as críticas do músico ao discurso de um dos candidatos à presidência que liderava as pesquisas. Já uma parcela da plateia se revelou a favor de tal candidato e tendeu a diminuir a importância das provocações vindas do palco.

Quis o destino que Roger Waters viesse ao Brasil para uma série de oito shows durante a campanha eleitoral mais acirrada e tensa desde a redemocratização brasileira. Dois discursos estavam em jogo nas eleições presidenciais: um em favor da democracia, justiça social e às minorias sociais. O outro flertava com o militarismo e contra a liberdade de expressão. A turnê Us + Them de Roger Waters, portanto, veio a calhar como uma alegoria perfeita do contexto social e político brasileiro. Por isso, a apresentação do músico despertou os mais diferentes afetos. O show nos dizia respeito. A questão que cada um, que esteve presente no estádio na noite do dia 21 de outubro, deve se fazer é: de que forma o show me afetou?

 

Rafael Campos

Jornalista

Mestre em análise do discurso pelo Programa de Pós Graduação em Estudos Linguísticos da Faculdade de Letras (UFMG)



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