Análise | Poder e Política

Aproximações necessárias e distâncias intransponíveis: a visita de Obama a Cuba

Mais de 50 anos após o bloqueio econômico e diplomático entre EUA e Cuba, o presidente Barack Obama fez uma visita oficial à ilha. A análise busca observar os aspectos de tensão presentes nesse movimento pela reaproximação entre os países.

Nem tanta Coca-Cola na minha Cuba Libre. Fonte: Carta Capital

Nem tanta Coca-Cola na minha Cuba Libre. Fonte: Carta Capital

Enquanto no Brasil vivemos um momento de reforço e acirramento da divisão política entre direita e esquerda, no cenário internacional vemos dois dos países que simbolizam os polos opostos de tal divisão – Estados Unidos e Cuba – empreenderem um esforço pelo restabelecimento de relações.

Quase 90 anos após a última visita oficial de um presidente dos EUA a Cuba, Obama chegou com a família em Havana no último dia 20 de março. Desde 2014, o presidente já havia mencionado seu interesse em restabelecer relações diplomáticas e econômicas com a ilha. No entanto, o projeto não tem ampla adesão no congresso dos EUA e é pauta de críticas dos pré-candidatos à presidência pelo Partido Republicano. É importante apontar que, estando Obama em seu último ano de mandato, é com seu sucessor que ficará a tarefa de manter e fortalecer o relacionamento com Cuba, onde a situação não é diferente. Raúl Castro, que vem reduzindo gradualmente várias restrições econômicas desde que assumiu a presidência no lugar de seu irmão Fidel, anunciou que deixará a presidência em 2018, quando completa 87 anos. Assim, a expectativa sobre a reaproximação é tão grande quanto a incerteza sobre seus rumos.

No entanto, embora muito esperada e anunciada, a visita não resultou – pelo menos não imediatamente – em grandes mudanças. Foi, certamente, mais uma das importantes medidas de reaproximação que vêm sendo tomadas pelos dois países, como a reabertura da embaixada americana em Cuba; a significativa redução das restrições para viagens de cidadãos americanos ao país; a retomada do serviço direto de correios; e a abertura para atuação, em território cubano, de empresas privadas e de capital norteamericano, especialmente as ligadas ao turismo e às telecomunicações.

Contudo, nem só de gestos de boa fé se fez a visita histórica. Raúl Castro não foi receber Obama no aeroporto, conforme certo costume diplomático. Obama não visitou Fidel, como fazem todos os líderes políticos em visita ao país (inclusive o Papa Francisco, tido como grande fomentador da retomada do contato entre EUA e Cuba). Em discurso no Gran Teatro de Havana, Obama falou sobre a necessidade de uma maior liberdade de expressão, política e religiosa no país. Na mesma ocasião, Raúl Castro cobrou o fim do bloqueio econômico ao país – que vigora desde 1960 – e o fechamento e a devolução da base de Guantánamo, uma promessa de campanha de Obama que não se cumpriu (mesmo porque sua execução não depende apenas da boa vontade do presidente). O clima cauteloso e crítico ficou especialmente marcado pela recusa de Castro em receber um abraço de Obama, no que pareceu uma tentativa de deixar claros os limites da reaproximação. Ainda que haja o reconhecimento da necessidade e da importância da relação entre os países, as bases ideológicas permanecem em tensão e deixam ver que a oposição permanece inabalada – e é bom que assim seja, afinal, é aí que reside a potência transformadora da política.

De todo modo, ainda que sem representar uma mudança radical na relação entre os países, a visita de Obama pode ser apreendida como um acontecimento, pois fez resgatar um passado da quase centenária relação tensa entre EUA e Cuba – que se inicia com a Revolução Cubana e tem seu auge com a Guerra Fria – e, ao mesmo tempo, abriu novos futuros possíveis, apontando para uma reconfiguração das formas de olhar e compreender um cenário político e histórico que possui modos de apreensão até então tidos como estáveis e fortemente enraizados.

 

Ana Karina Oliveira
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UFMG
Pesquisadora do Gris

 

Esta análise faz parte do cronograma oficial de análises para o mês de abril, definido em reunião do GrisLab.



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